Duas moças viviam em casa dos seus pais, numa aldeia quase deserta onde todos eram igualmente pobres. Cada um era proprietário do seu próprio terreno donde tirava o sustento para a sua família.
Os habitantes, ignorantes na sua simplicidade, não conheciam a riqueza nem a miséria. Se lhes falavam em palácios de arquitetura custosa, em luxo, carruagens e aparatos de riqueza, eles riam-se, como se de fato estivessem ouvindo contos de fada ou novelas do outro mundo; quando lhes falavam em miséria, em horrores de fome, sorriam também, e diziam que não há jeira de terra sem couve e couve que não alimente.
Este povo era tão simples, que dormia com as portas abertas, sem receio aos ladrões e malfeitores, porque não acreditava na existência desta gente.
Estas duas moças é que estavam incumbidas do trabalho da casa, plantio das hortaliças, criação das aves, porque seus pais já eram velhos e inaptos para qualquer serviço.
Uma delas, Rosa, quando toda a família estava reunida ao redor da mesa, conversando sobre assuntos domésticos, como as próximas chuvas, a surribação da terra, a peste das galinhas, ergueu-se e falou assim:
— Meus velhos pais e minha boa irmã, vou deixá-los por algum tempo; estou cansada desta vida monótona, sem futuro, desta pobreza geral, em que cada qual tem de trabalhar para comer; eu nasci para uma existência mais luxuosa e de mais conforto, onde tenho carruagens para exibir a minha formosura, palácios para mostrar minha elegância e leitos de seda e púrpura para afogar minha preguiça. — Adeus.
Todos começaram a chorar, as faces escondidas nas mãos, sufocados pelos soluços.
O velho falou com amargura:
— Ingrata filha, vai; sê feliz; que os teus desejos se cumpram e que a fortuna espalhe riquezas pelo teu caminho, como um semeador lançando grãos sobre um terreno fértil; porém que as saudades de teus velhos pais, que abandonaste, e da pobre aldeia, em que nasceste, arranquem lágrimas aos teus olhos, suspiros ao teu peito e ofegos ao teu coração.
Então a boa filha, que tinha ficado, depois de abraçar os pais, prometeu-lhes com amor que nunca havia de abandoná-los, que havia de ficar sempre na companhia deles, como um consolo à sua velhice.
Os tempos passaram. Um dia um rico lavrador, moço ainda e extremamente belo, passou por essa aldeia, enamorou-se desta pobre rapariga e pediu-a em casamento.
Os velhos consentiram. Era a felicidade esperada por tanto tempo, que lhes entrava em casa. Enriqueceram.
E Rosa, que fora tentar fortuna, voltou mais pobre ainda, coberta de andrajos, os pés descalços.
Os pais, quando a viram, abraçaram-na chorando, sensibilizados pelo aspecto humilde das suas roupas e da sua fisionomia.
E perguntaram-lhe:
— Onde está tua riqueza, Rosa?
— Na experiência, meus bons pais, na miséria que sofri, na fome que me devorou as entranhas. Se eu soubesse dos sofrimentos por que havia de passar, não vos abandonaria e deixava-me ficar convosco. Os meus sofrimentos datam da minha partida: a riqueza das donzelas está no carinho dos seus pais.
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Ano de publicação: 1899
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2022)
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