UM RAIO DE SOL
Uma formosa manhã de maio, limpa, alegre,
fresca, perfumada, é um dos maiores encantos da natureza.
Em uma dessas lindas manhãs de primavera, bem
cedo, ainda à hora em que o sol se faz anunciar pelos seus primeiros raios,
Helena, ainda dormia! Como sorri em algum sonho alegre! Ainda ninguém entrou no
quarto dela, e apesar disto, a Heleninha já hoje recebeu um beijo. Quem foi
então, que lho deu? Algum passarinho que entrasse pela janela? Não; a janela
está fechada. Foi um raio de sol que, penetrando por uma fenda, passou nos
lábios de Helena, e ficou todo espantado por encontrar uma menina ainda a
dormir. Mas, de repente, Helena acorda, esfrega os olhos, relanceia a vista por
todos os lados para ver quem a acordou, e dá com o raio de sol.
— Raiozinho brilhante, disse-lhe ela, tiveste
muito juízo em me vires visitar. Aposto que estás levantado há muito tempo;
quem sabe mesmo se já trabalhaste muito esta manhã?
— É verdade que sim, respondeu o raio, já
hoje trabalhei muito. Quando meu pai me despede não dá licença que me divirta,
e tem razão, porque eu, quando estou mais contente, é quando trabalho.
— Teu pai? Mas quem é teu pai?
— É o sol. Mora lá em cima, muito alto, no
céu. É tão grande, tão grande, que não poderia vir à terra; por isso manda os
filhos em seu lugar. Os filhos são os raios do sol meus irmãos, que à minha
semelhança, alumiam e aquecem a terra.
— Mas, tornou Helena, teus irmãos poderiam
entrar contigo no quarto?
— De modo nenhum; a fenda era estreitíssima.
Só eu pude passar. Os outros raios ficaram lá fora, estão alumiando a fachada
da casa. Agora, se tu quiseres abrir a janela, entrarão contentíssimos no teu
quarto.
— Ainda não, disse Helena, eu queria que tu,
antes disso, me contasses tudo o que tens feito e o que viste no teu passeio
esta manhã.
— Oh! já vi muitas coisas. Não tas posso
contar todas; mas, se gostas dir-te-ei algumas. Quanto rompi da montanha,
entrei numa floresta, e dei claridade a uma família de cotias que se recolhiam
à toca, e pareciam alegríssimas; naturalmente tinham dançado toda a noite
nalgum gramado. Na mesma floresta alumiei um ninho de sabiás negros. A mãe, mal
me viu, acordou o marido, depois os filhinhos, e todos a um tempo, principiaram
a cantar. Interei aluminar também um besouro muito velho, mas escondeu-se logo
debaixo de uma folha, por me não querer ver. Por volta das cinco horas
entranhei-me numa sebe à borda da estrada e fiz desabrochar uma formosa
trepadeira, cor-de-rosa e branca. Quando cheguei, ainda estava toda fechada,
mas apenas a aqueci, logo se abriu, eu fiquei alegríssimo ao observá-la. Na
mesma sebe alumiei uma aranha que estava a tecer a teia; espero que ninguém lha
destrua, porque levou muito tempo, e teve muito trabalho, em a tecer. Mesmo ao
pé, fiz brilhar as gotas de orvalho suspensas nas vergônteas das ervas, ajudei
uma pitanga amadurecer e aqueci uma mosca. Ainda fiz muitas mais coisas; amanhã
tas contarei. Agora, já é tarde, é mais que tempo de te levantares.
— Oh! por quem és, conta-me ainda mais alguma
coisa, disse a pequenina. Não vistes crianças esta manhã?
— Ora, se vi! e muitas! Levantaram-se bem
cedo. A Luizinha, ainda não eram seis horas, já estava a dar de comer às
galinhas, ao mesmo tempo que a leiteira saía para a cidade. O Joãozinho levava
as cabras para o pasto, em companhia do pai, que ia ceifar erva! Ah! já me
esquecia dizer-te que muitas vezes trabalho ajudado pelos meus irmãos; sozinho
não poderia muito. Agora, uns com os outros, amadurecemos os trigos e as frutas
todas, de que tu gostas tanto; aquecemos as costas da avó da Luizinha, que
estava assentada no pátio, e secamos uma camisa e uma touca, que estão
penduradas na corda. Ai! Ai! Que tenho falado muito! é tempo e retempo, de te
vestires e de te pores a trabalhar mas sempre te confessarei com franqueza que,
se os raios do sol se devem dar por felizes por prestarem luz aos
trabalhadores, não gostam muito de aluminar os preguiçosos.
—Lindo raio, obrigada por tantas coisas boas
que hoje me ensinaste. Se voltares amanhã, à mesma hora, eu te prometo que não
me hás de encontrar na cama; aproveitarei a tua formosa luz para continuar a
minha tarefa.
Dizendo isto, Helena levantou-se e foi abrir
a janela de par em par. Os raios de sol entraram todos ao mesmo tempo no quarto,
e encheram-no de luz. Helena, preparou-se, almoçou, e deu princípio ao seu dia,
com a firme tenção de se tornar numa boa trabalhadorazinha.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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