Em tempos que já lá vão há tanto que só Deus
o sabe, nasceram três Rios irmãos nas serranias de Espanha.
Logo de começo mostravam ter nascido para
gigantes e não se contentarem com pouca terra por onde alargarem os seus
senhorios e grandes forças.
Eram e são ainda e sempre serão os seus nomes
Tejo, Douro e Guadiana.
Nenhum queria ver-se dos outros ou vencido ou
levado. Mas também não queriam separar-se tanto que deixassem de ser irmãos,
quer na vida e caminho de lutas e nas terras senhoriadas, quer na sua entrada
no Mar de cujas águas eram filhos.
Viam outros rios seguir por caminhos diversos
e até opostos, sem tão grandes ambições. E todos três, conversando, troçavam
deles, menosprezando os seus destinos e pouca força.
Mas não sabiam como lutar, entre si, pela
maior grandeza desejada, sem perderem de todo a companhia de bons irmãos, nem
como dominar terras vastas sem se combaterem ou misturarem.
Por fim resolveram que marchariam para o
mesmo grande Mar, conquistando terras por caminhos diferentes. E, para não
terem que combater-se, combinaram deitar-se a dormir uma longa noite e partirem
logo ao acordar, ficando ao que primeiro acordasse o direito de escolher o
caminho do seu poder. E assim ao segundo, logo depois dele, contentando-se o
terceiro com o caminho ainda não escolhido.
O primeiro que chegasse ao grande Mar seria
vencedor na corrida em que se entregavam à sorte, ou ao juízo de Deus, na luta
por seus separados senhorios.
Assim combinaram e assim fizeram.
O Guadiana foi o que primeiro acordou.
Viu os irmãos muito bem ferrados no sono,
sorriu-se e pôs-se a caminho com sossego, escolhendo as terras do sul, porque
as entreviu menos montanhosas e mais fáceis de romper e senhoriar. E assim foi
seguindo e crescendo em poder, mas sempre fugindo quanto pôde a grandes lutas
com as montanhas inimigas.
Achou-se poderoso nas baixas que tem hoje o
seu nome, e seguiu diretamente para o sul, rodeando as terras do Algarve, até
chegar ao grande Mar.
O Tejo acordou em seguida e ficou muito
arreliado por já não ver o irmão Guadiana. Mas quando notou a direção mais
fácil tomada por ele, marcada já por sua torrente, disse para consigo:
— Chegarás primeiro ao Mar, talvez...
Mas eu serei o mais poderoso. Irei mais a
direito e para mais longe, rompendo serranias, até que me sinta forte bastante
para fazer e senhoriar vastas planícies, e ser depois quase um Mar.
Escolheu as terras do centro e, seguindo a
esteira do Sol, lutou com montanhas, dominou outros rios, criou um vasto
senhorio nas planícies e lezírias do ocidente e fez-se um Mar pequeno que,
rompendo os derradeiros montes, entro no Mar Maior.
O terceiro rio gigante, que era o Douro,
quando acordou e não viu os seus irmãos ficou furioso. E, querendo ser o
vencedor na corrida, largou a galopar veloz por montes e vales das terras do
norte, sem escolher caminhos; galgou precipícios; despenhou-se em
desfiladeiros; rodeou montanhas ou as rompeu, para chegar antes dos outros dois
ao grande Mar.
Para castigo da sua preguiça em acordar, não
teve senhorio de planícies e terras chãs. Mas em prêmio de tanta luta foi
também poderoso e rico.
E assim, evitando contendas, que para
qualquer deles poderia ter sido a morte, os três rios, Tejo, Douro e Guadiana,
se tornaram gigantes e senhores de terras vastas, ficando bons irmãos e bons
amigos em terras de Portugal, que deste Mundo são as derradeiras diante do Mar
sem fim.
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Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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