terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Sempre não (Conto popular português), de Teófilo Braga

 

SEMPRE NÃO
 

Um cavaleiro, casado com uma dama nobre e formosa, teve de ir fazer uma longa jornada: receando acontecesse algum caso desagradável enquanto estivesse ausente, fez com que a mulher lhe prometesse que enquanto ele estivesse fora de casa diria a tudo: – Não. Assim pensava o cavaleiro que resguardaria o seu castelo do atrevimento dos pajens ou de qualquer aventureiro que por ali passasse. O cavaleiro já havia muito que se demorava na corte, e a mulher aborrecida na solidão do castelo não tinha outra distração senão passar as tardes a olhar para longe, da torre do miradouro. Um dia passou um cavaleiro, todo galante, e cumprimentou a dama: ela fez-lhe a sua mesura. O cavaleiro viu-a tão formosa, que sentiu logo ali uma grande paixão, e disse: 

– Senhora de toda a formosura! Consentis que descanse esta noite no vosso solar? 

Ela respondeu: 

– Não! 

O cavaleiro ficou um pouco admirado da secura daquele não, e continuou: 

– Pois quereis que seja comido dos lobos ao atravessar a serra? 

Ela respondeu: 

– Não. 

Mais pasmado ficou o cavaleiro com aquela mudança, e insistiu: 

– E quereis que vá cair nas mãos dos salteadores ao passar pela floresta? 

Ela respondeu: 

– Não. 

Começou o cavaleiro a compreender que aquele Não seria talvez sermão encomendado, e virou as suas perguntas: 

– Então fechais-me o vosso castelo? 

Ela respondeu: 

– Não. 

– Recusais que pernoite aqui? 

– Não. 

Diante destas respostas o cavaleiro entrou no castelo e foi conversar com a dama e a tudo o que lhe dizia ela foi sempre respondendo 

– Não. 

Quando no fim do serão se despediam para se recolherem a suas câmaras, disse o cavaleiro: 

– Consentis que eu fique longe de vós? 

Ela respondeu: 

– Não. 

– E que me retire do vosso quarto? 

– Não. 

O cavaleiro partiu, e chegou à corte, onde estavam muitos fidalgos conversando ao braseiro, e contando as suas aventuras. Coube a vez ao que tinha chegado, e contou a história do Não; mas quando ia já a contar a modo como se metera na cama da castelã, o marido já sem ter mão em si, perguntou agoniado: 

– Mas onde foi isso cavaleiro? 

O outro percebeu a aflição do marido e continuou sereno: 

– Ora quando ia eu a entrar para o quarto da dama, tropeço no tapete, sinto um grande solavanco, e acordo! Fiquei desesperado em interromper-se um sonho tão lindo. 

O marido respirou aliviado, mas de todas as histórias foi aquela a mais estimada.

 

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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal
(Açores)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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