Na mesma aldeia moravam dois carvoeiros que
eram compadres. Um deles tinha muita família, e era por isto mais pobre, pois
os filhos pequeninos só comiam e não ganhavam. O outro que, além de ser só com
a mulher, tinha alguma coisa de seu, vivia com desafogo.
O pobrezinho foi um dia apanhar lenha para
fazer o seu carvão, mas era nos dias pequenos, e dali a um instante anoiteceu.
Tendo receio de se perder no caminho, decidiu subir para um grande carvalho,
resolvido a passar a noite naquele abrigo.
Deixou os molhos de lenha e o burrinho ali
perto, em lugar abrigado, e foi empoleirar-se na árvore.
Lá pela noite adiante viu muitas luzes a
saltarem e a correrem para o carvalho. Ficou a tremer, por se lembrar que eram
as feiticeiras que andavam no seu baile. Efetivamente as luzes transformaram-se
logo em mulheres e fizeram roda com um burrinho no meio, cantando: — Sexta,
sábado! Sexta, sábado!
O homem não pôde deixar de rir, ao ver aquele
tão engraçado baile. E elas, que o ouviram, disseram-lhe que descesse, porque
as havia de ajudar a dançar. Não teve outro remédio, apesar do susto. Desceu e
pôs-se também a cantar: — Sexta, sábado! Sexta, sábado!
Quando vinha rompendo a manhã, disseram elas
para o burrinho — que outro não era senão o demônio:
— Senhor, que se há de fazer a este homem que
nos ajudou a dançar?
— Carreguem-lhe o seu burro de dinheiro.
E desapareceu tudo, de modo que o homem
imaginou que tinha sonhado, mas, quando ia carregar o seu burro com os molhos
de lenha, achou-o com a carga feita com ouro.
Veio para casa muito satisfeito e contou à
mulher o que lhe tinha acontecido.
A mulher, também muito contente, destinou
logo uma certa soma de dinheiro para vestir os filhos e comprar-lhes comida que
os satisfizesse pela primeira vez na sua vida. Mas depois puseram-se a contar o
dinheiro e acharam que era tanto que melhor seria medi-lo.
Como tinham sido sempre muito pobres, e nunca
tinham tido nada que medir, não possuíam medidas.
— Quem tem uma boa medida é o nosso compadre
(disse a mulher).
— Pois manda-lha pedir, que há de ficar bem
admirado por ver que temos alguma coisa que necessita de medida.
Foi um dos pequenos a casa do outro
carvoeiro, que na verdade ficou espantadíssimo com o pedido dos pobres
compadres.
— Que será (dizia ele para a mulher)? Os
nossos compadres não tinham para cada hora e agora já precisam medidas?!
— Pergunta-lho, pois se tu não sabes, como
queres que eu saiba?
— Nada. Não quero que me tomem por invejoso.
Hei de saber sem perguntar
Untou o fundo da medida com pez e entregou-a
ao afilhado.
Os pobrezinhos mediram o dinheiro e depois
mandaram o alqueire ao compadre, mas, como ele imaginara, alguma coisa vinha
agarrada ao fundo. Era uma moeda de ouro.
O homenzinho, que era grande falador e grande
curioso, ficou pasmado e não fazia senão dizer para a mulher:
— Não vês o dinheiro que têm, que é preciso
ser medido aos alqueires?! Como lhes viria esta fortuna? Não descanso enquanto
não souber. Vou lá fazer-lhes uma visita e logo mo dirão. — Bateu à porta e
disse logo:
— Comadre, no fundo da medida ia pegada esta
moeda. Venho dar-lhe os parabéns por o dinheiro ser tanto que só por medida se
sabe. Agora a comadre há de dizer-me: como arranjaram tanto dinheiro?
Os dois contaram tudo o que sucedera, e o
homem ficou doido por apanhar assim uma fortuna. Pediu ao compadre que lhe
ensinasse o sítio onde encontrara as feiticeiras, porque também lá queria ir.
— Eu ensino (respondeu o outro), mas lá ficar
não fico! Como escapei duma, não quero mais.
— O que quero é que me ensine, pois ficar
fico eu só.
Foram; ele subiu para o carvalho, e o outro
voltou para casa.
Alta noite vieram as feiticeiras e puseram-se a cantar como da primeira vez:
— Sexta, sábado! Sexta, sábado.
Mal as ouviu, começou a fazer bulha sobre a
árvore. Elas viram-no, e mandaram-no descer para as ajudar no seu baile em
volta do burrinho. Muito espertalhão, saltou logo e pôs-se a cantar com toda a
força, pensando merecer mais do que fora dado ao compadre:
— Sexta, sábado, Domingo também, Burrinho no
meio Como dança bem!
E até de manhã esfalfou-se a cantar e a
dançar.
Chega a manhã e dizem as feiticeiras para o
burrinho:
— Que se há de fazer a este homem que nos
ajudou a dançar?
— Dar-lhe uma carga de pau, para não ser
linguareiro e atrevido de nos vir falar no Domingo.
Mal isto foi dito, saltaram as feiticeiras sobre
o homem e deram-lhe uma sova mestra, até o deixarem moído como salada.
Como não voltou a casa no dia seguinte, a
mulher muito aflita foi ter com o compadre e ambos o foram procurar à floresta.
Encontraram-no meio morto. E com grande custo lhes contou o sucedido.
— Vês? (disse a mulher). É para perderes o
costume de falares mais do que é preciso.
Não sei se a lição aproveitou ao homem, mas a
verdade é que pela boca morre o peixe. O calado é o melhor; e quem muito fala
pouco acerta.
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Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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