Este exemplo dos castigos da avareza é de um
Sapateiro velho e rico a valer. Ganhara sempre bastante dinheiro e como era
muito somítico e egoísta não gastava nada. E assim arranjou boa fortuna, se boa
podemos dizê-la.
A família e os amigos escusavam de contar com
ele, pois mais depressa quereria morrer do que matar a fome a alguém ou fazer o
mais pequeno favor.
Tinha o sapateiro avarento um compadre e
parente a quem devia bastantes obséquios e bons serviços. Certo dia
apareceu-lhe o compadre a fazer uma visita. Não gostou muito da festa, mas
viu-se obrigado a mostrar-se amável e a fazer de generoso. Foi ao mercado,
comprou um pato, porque foi a coisa mais barata que lá encontrou, e trouxe-o
para casa.
Mandou-o cozinhar, com recomendação à
cozinheira de gastar poucos temperos, e quando estava pronto convidou o amigo a
irem para a mesa.
Veio a comida, mas o sapateiro é que fazia os
pratos, e de tal maneira serviu o hóspede e a família, que ficou tudo com fome.
Ele, porém, estava já um tanto mais
satisfeito, porque tinha sobrado pato, cabidela e arroz para a ceia e para o
dia seguinte.
O compadre estava desesperado e, reparando
onde o avarento metia os acréscimos, jurou vingar-se da fome que lhe fizera
passar.
Quando o viu descuidado, fora de casa, tirou
do armário o jantar que lhe fora negado, e comeu à vontade. Comeu tudo, e
parece que também não ficou ainda muito farto. Dali foi rir e brincar para o
terreiro onde o Sapateiro se assentara de má sombra, como era seu costume.
Quando bem lhe pareceu, entrou o avarento em
casa e foi ao armário para se regalar com a vista dos restos do seu rico
jantarinho. Quando olhou e apenas viu os pratos vazios, teve um tal desespero
que caiu para o lado com um ataque.
Veio o compadre, vieram os vizinhos, e
correram a chamar o médico. O Sapateiro, entretanto, apenas murmurava:
— Pato, cabidela e tudo! Pato, cabidela e
tudo!...
Os vizinhos e a família que rodeavam o leito,
olhavam uns para os outros sem compreenderem aquelas palavras, mas o compadre
espertalhão, que bem sabia a que se referiam, declarou:
— O que ele quer dizer é que me deixa prata,
cabedal e tudo. Não é isto, compadre?
E o avarento, de olhos espantados de horror,
apenas continuava a repetir:
— Pato, cabidela e tudo! Pato, cabidela e
tudo!...
Até que morreu, sem dizer mais nada, passando
todos os seus haveres para o compadre, que foi buscar a mulher e os filhos e lá
ficou a gozar em boa paz o que fora amealhado com avareza e perdido com
desespero.
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Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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