Jerônimo trabalhou a vida inteira; e, apesar
de haver sido sempre honrado, bom e virtuoso nunca pode fazer fortuna.
Aos cinquenta anos de idade, era tão pobre
como quanto nascera, acrescendo a circunstância de que era chefe de numerosa
família, a quem tinha forçosamente que vestir e alimentar.
Além de quatro filhas, tinha ainda três
rapazes: João, Pedro e Manuel.
Quando João, o mais velho, completou vinte e
um anos, chegou-se para o pai, e assim falou:
— Meu pai, já estou homem feito e quero
ganhar a minha vida, correndo mundo, para ver se sou feliz.
O pai, muito triste, separou-se dele,
dizendo:
— Meu filho, que queres tu? O pouco dinheiro
que te reservei, sem a minha bênção? ou a minha bênção, sem dinheiro algum?
— Dinheiro, respondeu ele. E acrescentou:
— Quando a roseira que plantei começar a
murchar é porque estou em perigo. Mande Pedro em meu auxílio.
Disse e partiu.
Depois de andar muitas terras, ter visto
muitas coisas, por este mundo afora, João chegou à residência de uma princesa,
que tinha duas irmãs, tão parecidas com ela como duas gotas d’água.
João pediu pousada em casa dessa princesa,
que se chamava Rosalina.
À hora da ceia, Rosalina chegou-se para ele:
— Meu hóspede, disse ela, em minha casa todo
mundo é bem recebido; mas, quando nos sentamos à mesa fazemos sempre uma
aposta. Vamos começar a cear: aquele que de nós dois que comer mais do que o
outro, é senhor deste outro... Está feita a aposta?
O rapaz aceitou, sentindo-se com uma fome
devoradora, em resultado da longa viagem.
Rosalina comeu muito; e, quando não podia
mais, pediu licença para ir até à cozinha, ver um petisco que mandara preparar
pelo cozinheiro.
Aí mandou a irmã substituí-la. João, que não
sabia da semelhança que havia entre as irmãs, de nada desconfiou, e via que já
não podia mais comer, ao passo que a moça cada vez parecia ter mais fome.
Afinal não pôde mais, e cruzou os talheres,
ficando dessa maneira cativo da princesa.
***
Já por esse tempo, a roseira que plantara
começara a murchar, cada dia mais.
Pedro, o segundo filho, vendo aquilo, disse
ao pai:
— Meu pai, João corre perigo, e eu quero ir
em socorro dele.
— Pois bem, disse o velho. Que desejas? a
minha bênção sem dinheiro, ou o dinheiro sem a minha bênção?
— Desejo dinheiro, respondeu Pedro.
Horas depois, saiu de casa.
Tanto andou, que um dia foi ter justamente à
casa da princesa Rosalina e suas irmãs. Antes de Pedro partir, disse ao pai:
— Se meu craveiro murchar, é porque corro
perigo. Mande Manuel me socorrer.
Assim que Pedro chegou ao palácio da
princesa, pediu pousada. À hora do jantar aconteceu-lhe o mesmo que a João.
Em casa, o craveiro começou a murchar.
Manuel, o mais moço, vendo as duas plantas
murchas, pediu licença ao pai para ir socorrer os irmãos.
O pai fez a mesma pergunta que tinha feito
aos outros dois filhos, e ele respondeu que queria a bênção, unicamente, sem a
menor quantia.
Quando Manuel saiu de casa, encontrou uma
velhinha, que era Nossa Senhora, sua madrinha, assim disfarçada. Sem se dar a
conhecer, a velha entabulou com ele grande conversa, e terminou por lhe dizer
onde se achavam João e Pedro. Narrou-lhe tudo quanto havia sucedido aos dois
moços, e o que Rosalina costumava fazer para ter presos tantos homens.
Por último, aconselhou-o que aceitasse a
aposta, mas que não permitisse a princesa levantar-se, porque ela faria a troca
por sua irmã, sem que ele desconfiasse, embora prevenido como estava.
Manuel chegou à casa da princesa. À hora do
jantar, aceitou a aposta, em tudo semelhante às outras, que lhe fez Rosalina.
Procedeu como sua madrinha lhe ensinara, e,
quando a moça quis levantar-se não consentiu, ganhando por isso a aposta.
***
Manuel não quis a princesa como escrava.
Contentou-se em soltar todos os presos que lá se achavam.
Os três irmãos, quando se viram juntos,
ficaram alegres, e foram correr mundo.
No meio do caminho, porém, João e Pedro,
revoltaram-se contra o outro, tomaram tudo quanto ele possuía, e levaram-no
cativo.
Seguiam os dois a cavalo, bem montados, e o
pobre do Manuel, a pé, pela estrada afora, triste de sua vida, e chegaram a um
país onde existiam misteriosos animais, que todas as noites vinham estragar as
hortas e os jardins do rei, não havendo quem pudesse dar cabo deles.
Assim que Pedro e João souberam do caso,
foram-se oferecer ao rei para matá-los.
Entraram na horta, e ficaram a conversar,
esperando as feras.
Mas, já para o meio da noite, uma noite muito
quente, começaram a se sentir fatigados, e pegaram no sono, de modo que, no dia
seguinte, pela manhã, foram dizer ao rei, envergonhados, que nada tinham
conseguido.
O rei expulsou-os do palácio, como intrujões.
Chegou a vez de Manuel, que se foi oferecer
para matar os animais, que tanto estragavam os jardins.
Chegando a noite, muniu-se de sua violinha, e
começou a cantar e a tocar, para se distrair do sono, que já lhe pesava nas
pálpebras.
Pelas onze horas, ouviu enorme barulho.
Prestou atenção, e viu três cavalos
encantados, que se encaminharam para as hortas, não podendo, porém, entrar,
porque se apresentou em frente deles.
Cada um dos cavalos pediu-lhe uma folha de
couve, que o moço deu.
Disse então o primeiro cavalo:
— Quando se vir em algum perigo, diga:
Valei-me, meu cavalo preto!
O segundo falou:
— Quando se vir em algum perigo, diga:
Valei-me, meu cavalo baio!
O terceiro disse:
— Quando se vir em algum perigo, diga:
Valei-me, meu cavalo ruço!
Em seguida partiram.
No dia seguinte os jardins e as hortas do rei
apareceram em perfeito estado, e Manuel ganhou muito dinheiro.
Pedro e João desapareceram envergonhados.
***
Vivia Manuel satisfeito, gozando dos
rendimentos que o rei lhe dera, quando soube que a princesa Catarina, filha única
do rei, dissera que só se casaria com um homem que, a cavalo, subisse as sete
escadarias do palácio real, e lhe tirasse a flor que ela tinha na cabeça.
Marcou-se o dia para a festa, e ninguém
conseguiu passar da primeira escadaria.
Manuel lembrou-se do cavalo, e disse:
— Valei-me, meu cavalo preto!
Surgiu um cavalo preto, como azeviche, com
arreios de prata.
Manuel montou, e chegou até a terceira
escadaria no meio de vivas entusiastas e aclamações porque nenhum cavaleiro se
apresentara em animal tão bonito e tão bem arreado.
No segundo dia, os cavaleiros se apresentaram
e nada fizeram.
Já supunham a festa terminada, quando
apareceu um cavalo baio, muito mais bonito que o preto do dia antecedente, com
arreios de ouro.
O povo, ao ver aquele cavaleiro, que era
Manuel, ficou deslumbrado.
O cavalo foi até a quinta escadaria.
No terceiro dia o povo já estava impaciente
por ver chegar o cavaleiro, que em dois dias seguidos, tanto se distinguira dos
seus contendores, e aparecia tão ricamente montado.
Assim que apareceu em frente ao palácio, em
seu cavalo ruço, com arreios de brilhantes, o povo não se conteve em aplausos
sem fim.
O próprio rei estava impaciente com o
resultado, pedindo a Deus que fosse ele o vencedor.
Quando Manuel assomou na primeira escadaria, a
princesa chegou a acenar-lhe com a mão.
O cavalo ruço chegou até o último degrau da
última escadaria, e parou. O moço fez uma cortesia, e tirou a flor do penteado
da princesa.
Todo o mundo queria ver de perto tão
intrépido cavaleiro.
Efetuou-se o casamento da princesa, no meio
de aplausos da população, que veio em massa saudar os recém-casados.
Manuel mandou buscar o seu velho pai.
Os três cavalos encantados mudaram-se em três
príncipes, que assim estavam transformados para castigo e gravíssimos crimes cometidos,
devendo permanecer em tal estado enquanto não tivessem uma ação meritória.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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