Dois casados, mulher e homem sem filhos e com
boa casa de lavoura, tinham, para seu mal, o mesmo defeito de serem teimosos.
E, o que era muito pior, teimavam por tudo e por nada, e até por uma simples
palavra.
Uma vez, quando estavam a jantar, disse o
marido:
— Este sáfio está muito bom.
— Não é sáfio, é sáfia! — retorquiu a mulher.
E daqui se armou logo uma grande questão. E
tão grande que, por fim, o marido enfureceu-se e deu pancada na mulher. Depois
arrependeu-se do que tinha feito, só por serem ambos teimosos. E ficaram de bem
um com o outro.
No ano seguinte, no mesmo dia, diz a mulher:
— Lembras-te, homem? Faz hoje exatamente um
ano que tivemos uma grande questão por causa de uma sáfia!
— Não era sáfia, era sáfio (emendou logo o
teimoso, para não dar o braço a torcer!) — E lá tornaram a questionar e, de
tanto dize tu direi eu, perderam a cabeça e acabaram por bater um no outro.
Todos os anos era certo festejarem assim
aquele bom aniversário. Arrependiam-se depois. Mas, sempre que vinham a falar
no caso passado, a fúria da teimosia tomava conta deles.
Parecia uma praga rogada por algum inimigo a
repetida guerreia por causa do nome, de sáfio ou sáfia, daquele peixe cozinhado
e comido há tanto tempo. Bem diz o ditado antigo: "duro com duro não faz
bom muro". E, se a dureza é de estúpida teimosia, desfaz todos os muros e
defesas da vida em comum e abre campo à desgraça.
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Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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