sábado, 25 de dezembro de 2021

Os dois irmãos (Conto Popular), de Adolfo Coelho

 

OS DOIS IRMÃOS

Era uma vez dois irmãos que eram soldados num exército estrangeiro, mas que eram tão maltratados que até fome passavam. Um dia disse o mais novo para o mais velho:

Irmão, isto não se pode sofrer; é melhor nós fugirmos e irmos correr esse mundo de Cristo.

Respondeu o mais velho:

Não, que nos podem apanhar e castigar-nos.

O mais novo, porém, não o quis atender e um belo dia fugiu. Caminhou, caminhou sem encontrar que comer até que foi ter à porta de uma grande quinta onde avistou um formoso pomar em que as laranjeiras vergavam ao peso das laranjas. Bateu à porta e tornou a bater e como lha não viessem abrir, resolveu-se a saltar o muro para ir comer laranjas. Como não lhe aparecesse ninguém, ele comeu a fartar e escondeu entre o fato as laranjas que pôde, para continuar a sua jornada; mas, ao chegar ao muro por onde tinha entrado, por mais esforços que fizesse não lhe foi possível saltar e ouviu uma voz que lhe dizia:

Para fora não, para dentro sim.

Ele respondeu:

Se é pelas laranjas, elas aí ficam.

E dito isto, deitou no chão as laranjas que levava consigo.

Passaram-se muitas horas e ele, vendo que não conseguia sair, foi passear pela quinta e então depararam-se-lhe vistosos jardins, lindos pomares e verdes hortas.

Estava já cansado de tanto andar, até que chegou a um lindo palácio e entrou e foi dizendo:

Com licença, com licença.

Ninguém lhe respondia.

Afinal foi ter a uma sala onde encontrou uma linda menina que estava bordando. Ele desfez-se em desculpas e contou-lhe o que lhe tinha sucedido; ela então respondeu-lhe que não tinha nada a desculpar, antes estimava muito vê-lo e que, se ele quisesse, podia ficar naquele palácio. Como se decidisse a ficar, ela levou-o a uma varanda e mostrou-lhe os jardins, hortas e pomares, e, como ele se mostrasse maravilhado de tudo quanto via, perguntou-lhe ela o que de tudo quanto tinha visto desde que entrara no palácio lhe tinha mais agradado. O rapaz, como a fome apertasse, respondeu que o que mais lhe agradava eram as couves que ele via na horta.

À ceia mandou a menina que lhe apresentassem na mesa um prato de couves e combinou com a criada que quando estivessem à mesa apagasse ela a luz. Estavam pois a menina e o rapaz para cear e a criada, fingindo que ia espevitar a luz, apagou-a; então a menina levantou-se e disse:

Cada qual se agarre à coisa de que mais gostar.

E o soldado agarrou-se ao prato das couves. A menina, despeitada, disse-lhe:

Visto que gostais tanto de couves, é bem que eu vos mostre as que ainda não viste.

E nisto conduziu-o a uma varanda que deitava para um curral de porcos e deitou-o para lá. Por mais que o pobre soldado pedisse à menina que o tirasse dali, ela não o quis atender e lá o deixou até ao dia seguinte.

O irmão mais velho do rapaz, quando deu pela falta dele, fugiu também; seguiu os mesmos caminhos que o irmão seguira e sucederam-lhe as mesmas aventuras; quando, porém, a menina do palácio lhe disse que se agarrasse àquilo de que mais gostasse, ele agarrou-se a ela e disse-lhe que de tudo o que vira no palácio e na quinta era ela que mais lhe agradara. Então a menina respondeu-lhe que estava encantada naquele palácio até que lá fosse ter um homem que gostasse mais dela do que das riquezas que a cercavam; que era filha de um rei, o qual determinara que houvesse um torneio para ela escolher entre os cavaleiros o que devia ser seu esposo e portanto que se apresentasse ele muito bem vestido, que entre todos só havia de escolher a ele.

À noite mandou a princesa preparar uma rica cama em quarto fronteiro ao dela; mas ele, quando ia para se deitar, em vez de ir para o quarto que lhe destinaram, foi para o da princesa.

Esta, quando lá o viu, disse-lhe:

Enganaste-te, que não era este o quarto que te estava destinado, mas fica, pois vais em breve ser meu esposo.

Depois contou-lhe o que sucedera com o outro soldado e ele logo de madrugada pediu para o ir ver e, ao reconhecer o seu irmão, pediu à princesa que lhe desse a liberdade, o que ela fez, dando-lhe muitas riquezas e mandando-o que seguisse o seu caminho.

No dia seguinte disse ao seu escolhido que era preciso que ele saísse do palácio e que fosse para tal hospedaria, que, em sendo o dia do torneio, o iria avisar, pois convinha que o rei seu pai não soubesse o que se tinha passado. Depois de se abraçarem, separaram-se.

O soldado foi ter à tal hospedaria e, como a dona da casa tivesse uma filha muito linda e como ela percebesse que o soldado tinha muito dinheiro, tais artes empregaram para prender o rapaz na hospedaria que até lhe deram a beber água com dormideiras a ponto que ele não podia acordar e dormia de noite e de dia.

Como se aproximasse o dia do torneio, a princesa foi procurar o soldado e responderam-lhe que estava a dormir. A princesa, para não o acordar, voltou no dia seguinte e deram-lhe a mesma resposta. Ela então foi ter ao quarto onde ele estava e escreve-lhe no punho da camisa: “Tal dia é o torneio.” Ele, quando acordou, reparou no que estava escrito no punho da camisa, recordou-se do ajuste e levantou-se da mesa sem atender às donas da casa, que lhe pediam que antes de partir bebesse uma gota de água. Elas queriam era pô-lo a dormir.

Chegado o dia do torneio, o soldado vestiu um fato mais rico ainda do que o dos fidalgos que iam ao torneio; montou um rico cavalo e foi passear debaixo da janela da princesa, mas ia tão bem vestido que ela não o conheceu. Então, o rei perguntou à princesa qual era o seu escolhido, ao que ela respondeu que o seu escolhido não aparecera.

Findas o torneio, convidou o rei todos os cavaleiros para jantar. O soldado foi sentar-se perto da princesa, e mostrou-lhe a manga da camisa e então ela, levantando-se, disse, indicando o soldado: “Eis aqui o escolhido do meu coração; é este o único homem que me preferiu às riquezas que me cercam.” Casaram e viveram no meio das maiores felicidades.

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Ano de publicação: 1879.
Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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