Custódio era sapateiro-remendão, vivendo
exclusivamente do seu ofício.
Todavia, por mais que se esforçasse, por mais
que trabalhasse, nunca recebia justa recompensa do seu insano labor. Por isso
era pobre, paupérrimo.
Chegou uma ocasião em que se viu quase na
miséria. Haviam-lhe encomendado um par de botas de verniz. Com o lucro desse
trabalho, que ia ser muito bem pago, desde que ficasse bom e fosse entregue no
dia marcado, sem falta, contava comprar mais cabedal, e, assim, aprontar alguns
pares de botinas, que tencionava vender vantajosamente.
Contudo, no dia em que ia começar o serviço,
adoeceu. Foi uma fatalidade, porque não podia dar as botas no dia designado, e,
desse modo, ia perder o verniz, em que empatara o único dinheiro que lhe
restava.
À noite deitou-se, devorado por violentíssima
febre.
Pela manhã acordou ainda mais doente. Assim
mesmo, febril, tiritando de frio, e com terrível enxaqueca, tentou trabalhar.
Foi procurar o verniz, e soltou uma exclamação! Na véspera apenas havia cortado
o couro, e, no entanto, já estava feito o par de botas de montar, um trabalho
esplêndido, digno, de um hábil artista.
Foi grande a sua surpresa, e nem sabia como
explicar fato tão extraordinário.
Apanhou os sapatos, examinado-os atentamente,
virando-os de um lado e do outro; estavam muito benfeitos, e não tinham nem um
ponto sequer fechado, sendo obra de causar admiração.
Quando veio buscar a encomenda, o freguês
pagou mais do que havia tratado, tão satisfeito ficou.
Com o dinheiro dessa venda, o sapateiro foi
comprar couro para fazer dez pares de botinas.
Trouxe-o para casa, e à noite cortou-o,
deixando-o para fazer a obra pela manhã.
Mas, ao outro dia, quando se dirigiu para a
sua mesa de trabalho, encontrou tudo pronto, como na noite anterior.
Dessa vez também, não faltaram fregueses. Com
o dinheiro que produziu a venda, ele pôde comprar couro para outros pares.
No terceiro dia as botinas estavam prontas. E
assim sucedeu noites e noites seguidas, durante bastante tempo. Todo o couro
que Custódio cortava de noite, aparecia pronto, transformado em pares de
botinas, muito benfeitas, de modo que o sapateiro foi melhorando, a ponto de
ficar quase rico.
***
Uma noite, na véspera de Natal, quando
acabava de cortar couro, indo deitar-se, voltou-se para Adelina, sua mulher, e
disse-lhe:
— E se nós passássemos a noite em claro, para
ver quem nos ajuda dessa maneira?
Adelina concordou no que lhe propunha o
marido. Deixando uma lamparina acesa, ocultaram-se os dois dentro de um guarda-vestidos,
por trás da roupa, e esperaram.
Quando o relógio bateu meia-noite, dois
anõezinhos, completamente nus, sentaram-se na mesa do sapateiro, e apanhando o
couro cortado, com as suas mãozinhas começaram a coser, furar e bater com tanta
ligeireza e cuidado que não se ouvia barulho algum.
Trabalharam sem cessar, até que a obra ficou
pronta, desaparecendo então subitamente.
No dia seguinte, Adelina disse:
— Aqueles anõezinhos nos têm enriquecido: é
preciso que nos mostremos reconhecidos. Eles devem sentir muito frio, andando
assim nus, sem nada sobre o corpo. Sabes? Vou coser uma camisa para cada um, um
paletó, uma calça e um colete, e lhes fazer um par de meias de tricô, e tu
fazes para cada um, um par de botinas.
Custódio aprovou a ideia da mulher; e, à noite,
quando tudo estava pronto, colocaram os objetos sobre a mesa em vez do couro
cortado para os sapatos, e ocultaram-se de novo, para ver de que modo os anões
recebiam os presentes.
À meia-noite, os anões chegaram, e iam
começar o trabalho, quando em lugar do couro encontraram os vestidinhos. A
princípio mostraram grande espanto, que depressa se transformou em grande
alegria.
Vestiram imediatamente a roupinha, e
começaram a cantar e saltar:
— Nós somos uns lindos rapazes!... Adeus,
couro, sapatos e botinas!...
Depois começaram a dançar e saltar por cima
das cadeiras e bancos, e sempre dançando, ganharam a porta e desapareceram.
Desde aquele momento ninguém tornou a vê-los.
Custódio, porém, continuou a ser feliz o resto de seus dias, e tudo quanto
empreendia saía conforme os seus desejos.
***
Havia numa casa uma pobre criada muito
trabalhadora, chamada Isabel. Todo o dia que Deus dava, ela varria a casa, e
depois juntava o cisco, que colocava em frente à porta da rua.
Uma manhã, quando começava o trabalho, achou
uma carta no chão. Como não sabia ler, pôs o caixão de cisco no chão, e foi
levá-la aos patrões.
Era um convite da parte dos anões mágicos que
lhe pediam para ser madrinha de um dos seus filhos.
Isabel não sabia que resolver, mas depois de
muitas hesitações, como lhe disseram que era muito perigoso recusar, aceitou.
No dia marcado, três anões vieram buscá-la, e
levaram-na para uma caverna, na montanha onde moravam.
A mãe do anãozinho que nascera, estava num
leito de ébano incrustado de pérolas, com colchas bordadas a prata. O berço do
recém-nascido era de marfim, e a bacia de banho, de ouro maciço.
Depois do batismo, a criada quis voltar
imediatamente para casa. Os anões, porém, pediram-lhe muito para ficar mais
três dias com eles. Ela anuiu ao pedido, e passou esse tempo em festas, porque
os anõezinhos lhe faziam o mais agradável acolhimento.
No fim de três dias, como quisesse
absolutamente regressar, os anões encheram-lhe os bolsos de ouro, e
conduziram-na até à saída do subterrâneo.
Chegando à casa dos patrões, Isabel recomeçou
o trabalho de todo dia, e apanhou o caixão do cisco, o qual ainda estava no
mesmo lugar em que deixara, o que a admirou sobremaneira. Estava varrendo,
quando saíram da casa uns homens desconhecidos para ela, que lhe perguntaram
quem era e o que queria.
Foi só então que a criada soube que não
estivera com os anõezinhos apenas três dias, como julgara, mas sete anos
inteiros, e que durante esse tempo, seus patrões haviam morrido.
***
Um dia os anões roubaram a uma mulher o
filhinho, que estava no berço, e puseram em seu lugar um pequeno monstro, que
tinha uma cabeça muito grande e dois grandes olhos fixos, e era insaciável,
esfomeado, querendo comer e beber a todo o momento.
A pobre mãe foi pedir conselho a uma vizinha.
Esta aconselhou-a a levar o monstrengo para a
cozinha, e colocá-lo em cima do fogão, acender o fogo ao lado dele, e ferver
água em duas cascas de ovo. Isso faria rir o monstro, e se ele se risse uma
vez, seria obrigado a partir.
A mulher fez o que a vizinha lhe tinha
ensinado. Assim que viu as cascas de ovo cheias de água, sobre o fogo, o
monstro exclamou:
— Nunca vi, se bem que não seja novo, ferver
água em casca de ovo!E soltou uma gargalhada.
Apareceu imediatamente, um bando de anões,
que trouxeram o verdadeiro filho, colocando-o no berço, e levando o monstrengo
em sua companhia.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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