Formosa, elegante, bem prendada, era
Carolina, filha dum importante capitalista, que vivia na cidade do Ouro.
Um dia, apresentou-se no palacete paterno um
moço muito bem apessoado, que vinha pedi-la em casamento.
A rapariga exultou de alegria; e, com grande
satisfação dos pais aceitou-o.
Marcaram o dia das núpcias.
À noite, enquanto os convidados dançavam e
folgavam, Nossa Senhora da Conceição, que era madrinha de Carolina,
apareceu-lhe, e disse-lhe:
— Minha filha: fica sabendo que te casaste
com o diabo, metido na figura desse bonito moço. Não faz mal, porém. Logo mais,
ele há de te levar para casa. Deves, então, dizer a teu pai, que queres ir
montada no cavalo mais magro e mais feio que aqui houver. Quando chegares à
encruzilhada do caminho, teu marido há de tomar a direita; tu tomarás a
esquerda, mostrando-lhe o teu rosário. Verás, então, o que acontecerá.
Perto da meia-noite, o marido manifestou
desejos de se retirar, mandando selar os cavalos. Para Carolina veio um
esplêndido alazão, muito gordo e lustroso. A moça, porém, recusou-o, declarando
que só montaria no animal mais feio, magro e lazarento que houvesse na
estrebaria.
O pai admirou-se muito daquele pedido, mas
acedeu aos desejos da filha.
Os noivos cavalgaram e partiram.
Chegando ao lugar em que a estrada fazia uma
cruz, o demônio quis que a moça tomasse a direita, e fosse adiante.
— Não; vá você na frente, que sabe o caminho
de sua casa. Eu nunca fui lá, respondeu Carolina sem mais demora.
Tomou a esquerda, e mostrou-lhe o rosário.
Ouviu-se, então, um grande berro, que o diabo
soltou. A terra abriu-se. Sentiu-se forte cheiro de enxofre, e o demônio
sumiu-se para as profundezas do inferno.
Carolina disparou o cavalo, até chegar muito
longe. Aí, cortou os cabelos, e vestiu uma roupa de homem – calça, colete e
paletó, feitos de uma fazenda verde, completamente verde.
Continuou a viagem, e chegou à capital do
reino, onde foi servir no exército. Sendo promovida, pouco depois, ao posto de
sargento, ficou sendo conhecida por Sargento Verde.
O rei, ao ver aquele formoso inferior das
suas guardas, tomou-lhe grande amizade, e destacou-o para sua ordenança
particular, querendo-o sempre em sua companhia.
A rainha apaixonou-se por ele; e tentou
seduzi-lo, chegando mesmo a propor-lhe casamento, porque naquele país toda a
gente podia casar-se quantas vezes quisesse. No entanto, o Sargento Verde
recusou trair o seu soberano.
Em vista disso, a rainha foi ao marido e
disse-lhe:
— Saiba vossa majestade que o Sargento Verde
declarou ser capaz de subir e descer as escadas do palácio, montado no seu
cavalo, a toda a brida, dançando e atirando ao ar três ovos, e aparando-os, sem
que nenhum deles caia e se quebre.
O rei mandou chamá-lo e perguntou se era
verdade aquilo.
— Eu não disse tal coisa, real senhor; mas
como a rainha, minha senhora, o afirmou, vou tentar fazê-lo.
O Sargento Verde saiu dali muito triste, e
sentou-se à porta da casinha que lhe haviam dado para morar, quando seu cavalo
o sossegou, dizendo:
— Não tenha receio. No dia marcado, faça o
que tem de fazer.
Assim sucedeu; e a rainha ficou desesperada,
vendo-o executar fielmente o que ela havia inventado.
***
Algum tempo depois, ela tentou novamente
seduzi-lo; mas, como da primeira vez, ele não quis atraiçoar o rei.
— Saiba vossa majestade que o Sargento Verde
disse ser capaz de plantar uma laranjeira pequenina, à hora do almoço e que, à
hora do jantar, já estará carregada de laranjas.
O rei chamou-o, e mandou fazer aquele
milagre; e tendo o sargento consultado o seu cavalo, conseguiu executá-lo, com
grande mágoa da rainha, que queria vê-lo enforcado.
Mas a perversa criatura nem por isso cessou
de persegui-lo; e, pela terceira vez, dirigiu-se ao rei:
— Saiba vossa majestade que o Sargento Verde
declarou ser capaz de ir ao fundo do mar, e tirar a princesa, que ali está
encantada.
Carolina, dessa vez, quase morreu de
desânimo, julgando impossível sair-se bem daquela dificílima empresa.
O cavalo, porém, acalmou-a, aconselhando:
— Muna-se a senhora de um garrafão de azeite,
um punhado de cinza e um agulheiro. Monte em mim; chegue à praia, e, com a
espada corte as ondas em cruz, que as águas hão de se abrir. Entre pelo mar
adentro; chegará à caverna, onde jaz a princesa encantada. Aí encontrará um
dragão marinho, que guarda a moça. Roube-a; monte-a na garupa, e corra a todo
galope. O monstro há de persegui-la. Assim que estiver quase a nos pegar,
derrame primeiro o azeite; depois a cinza; e, por último, o agulheiro.
Carolina procedeu como lhe ensinara o cavalo.
Entrou no mar; raptou a princesa; e partiu a todo galope.
O dragão marinho perseguiu-a. Quando ia quase
pegando-a, ela derramou o garrafão de azeite; formou-se uma grande lagoa, onde
o dragão se meteu, quase se afundando.
Conseguiu, finalmente, vencer o primeiro
obstáculo; e seguiu no encalço dos fugitivos.
Ia novamente alcançá-los. Carolina despejou a
cinza. Formou-se um nevoeiro espesso atrás dela, como se fosse uma montanha.
O monstro, depois de inúmeras dificuldades,
passou e voou.
Ia quase pega não pega o Sargento Verde,
quando este espalhou o agulheiro.
Apareceu uma cerca de espinhos, que entraram
no corpo do dragão marinho, matando-o logo.
Chegando ao palácio, o Sargento Verde contou a sua história, e voltou a ser a formosa Carolina.
A rainha foi condenada à morte, para castigo das suas diversas mentiras.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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