Havia, numa pequena aldeia, um casal de
velhos muito pobres.
Enquanto novos trabalhavam e não passavam
fome, se bem que a sorte nunca os favorecera muito. Mas a velhice tinha-os
enfraquecido, e viviam na mais triste e desolada miséria.
Um dia disse o marido:
— Olha, mulher, eu vou à Igreja, com a rede,
ver se apanho o Espírito Santo, que me dizem se fez pomba, para lhe dizer que,
ao menos, nos dê pão. Porque com pão e água da fonte já nos contentamos.
— Pois vai, homem, que eu já não tenho forças
para trabalhar.
Foi andando até uma Igreja que havia na
serra, onde vivia um Eremita afamado pela sua conhecida inteligência, e entrou,
com a rede, por ali dentro, para apanhar o Espírito Santo.
Veio o velho Eremita e perguntou-lhe ao que
ia.
— Falar com o Espírito Santo, para que me dê pão,
porque a pão e água da fonte poderemos viver, eu e minha mulher. E sem isso,
temos de morrer, porque já não podemos trabalhar.
— O Espírito Santo não pode falar-lhe; mas venha cá vossemecê, que eu lhe dou o que precisa.
Entraram e o Eremita foi logo buscar a caixa
das esmolas, que estava cheia de dinheiro e ofertas de grande valor, e
disse-lhe:
— Irmão, tomai isto, que vos tornará rico;
mas, antes, dizei-me qual quereis: um real bem ganho, ou cem mal ganhos?
O pobre homem ficou a olhar para o santo varão
e respondeu:
— Por minha vontade ficaria já com o real bem
ganho, mas como há muito ano vivo com minha mulher e nem ela nem eu fazemos
nada sem nos consultarmos, vou ver o que diz, e volto já.
Chegou a casa e perguntou à mulher a sua
opinião:
— Que fiques com o real bem ganho! De que nos
serviam os cem, mal ganhos, se não teríamos descanso nem de dia nem de noite,
com remorso e vergonha de nós mesmos?!
Aí volta o homenzinho, satisfeitíssimo, ao
Eremita, para que lhe desse o real bem ganho.
O Frade ficou também contente, por ver que
ainda havia gente honrada no Mundo, deu-lhe o real e disse-lhe:
— Ide, este é bem ganho. E com ele sereis
mais felizes do que se tivésseis escolhido os cem, mal ganhos. Com sossego de
espírito, alegria e boa vontade, o pouco serve de muito.
Ia o bom velho de caminho para casa, muito
contente por levar à mulher aquela fortuna, quando viu dois rapazes que se
esmurravam sem pena, estando quase em risco de se matarem. Sentiu com isso
grande mágoa porque duas criaturinhas de Deus punham tanto ardor em se ferirem
e mortificarem, quando tão pouco seria preciso para se entenderem e serem
felizes. Saltou ao meio deles, conseguiu separá-los, não sem levar muito
encontrão e sopapo, por engano, e perguntou a causa de tamanha luta.
— Vê aquela pedra que serve para ferir lume?
(perguntou-lhe um deles, mostrando-lhe uma pederneira que estava no chão). Pois
esse ladrão queria-ma roubar depois de eu a ter apanhado.
— Não é nada disso! Eu é que a vi primeiro, e
esse patife adiantou-se a apanhá-la e quer chamar-lhe sua. Mas tal não há de
suceder enquanto eu tiver vida.
E já outra vez se lançavam um ao outro, tendo
o homem grande trabalho em os separar e em os fazer escutar a razão.
— Bom, essa história é velha como o Mundo.
Mas, a dizer a verdade, a pederneira não pertence a um nem a outro. Que
justiça, que direito, tem você em dizer que é sua porque a viu primeiro? O
mesmo que tem este, porque primeiro a apanhou! Ora a pederneira não se pode
partir, e já que vós não tendes juízo para ambos dela vos servirdes sem ofensas
nem agravos, já que nenhum quer ceder o que julga ser o seu direito, melhor
será que eu lhes compre a causa de tanta bulha e o dinheiro seja dividido entre
dois.
E tirando o real da algibeira, deu meio real
a cada um, apanhando a pederneira que meteu no bolso, dizendo consigo:
— Deixa-me cá levá-la, não vá o demo fazer
que alguma desgraça ainda se dê por causa dela.
Levou-a, não por lhe parecer que tinha valor,
mas sim para livrar os rapazes de mais contenda, e para mostrar à mulher em que
empregara o real bem ganho.
À porta de casa esperava-o ela, e
perguntou-lhe logo pelo real bem ganho.
— Olha, dei-o por esta pedra, para que dois
rapazes se não espatifassem um ao outro.
A mulherzinha pegou na pedra com
desconsolação e, atirando-a para um canto, disse, com tristeza:
— Ai que mofina sorte, que nem este real nos
veio ter às mãos!
Ora os pais dos dois moços, que eram ricos e
reconhecidos, quando souberam da questão dos filhos e quem os tinha separado e
a maneira como o fizera, dando o único real que possuía, foram visitar o
campônio, deram-lhe com que pudesse viver com a mulher, e dali em diante o
trataram com o carinho e consideração que se deve ter por quem é bom e justo,
embora seja pobre.
Viviam felizes os dois velhos e muitas vezes
se felicitavam por terem preferido o seu real bem ganho.
Mas a fortuna não se cansava de os favorecer,
e mais surpresas lhes estavam destinadas.
Um dia passou por ali um Fidalgo, senhor de
todas aquelas terras, que, por mandado do Rei, ia como embaixador ao Reino
vizinho; mas como o recado que levava era de grande segredo, escondia a sua
qualidade e somente se fazia acompanhar de um bom e leal criado.
Por este motivo, foi bater à modesta
habitação dos dois velhos a pedir pousada. Da melhor vontade lhe foi dada,
sendo recebido como amigo, sem que os hospedeiros quisessem saber quem ele era
nem para onde ia.
O Fidalgo entrou, comeu com eles da sua
modesta mas sadia refeição, e reparou que não havia candeia, mas a cozinha
estava iluminada.
Tanto procurou que viu a um canto uma pedra
que parecia um pequenino sol a brilhar no escuro, e perguntou o que significava
aquilo.
— É uma pedra que eu comprei por um real bem
ganho e que de pouco ou nada me servia. Só depois da minha mulher a lavar é que
me poupa a candeia.
E contou a história tal qual sucedera.
— A pedra que tendes aqui (respondeu o
Fidalgo) é o mais rico e lindo diamante de quantos existem no tesouro de todos
os Reis do Mundo. Se eu tivesse dinheiro, comprava-o para mostrar a todos como
um real bem ganho nos pode tornar senhores da maior fortuna. Mas ide vendê-la,
que o Rei vos dará por ela as rendas de muito ano.
— Não vou. Levai-a vós, Senhor. Eu não lhe
conhecia o valor, por isso a estimava tanto como estimo a velha candeia de
azeite. Vós que a sabeis conhecer e apreciar, de justiça sois o senhor dela.
Levai-a.
Mas o Fidalgo não a quis aceitar sem
pagamento com todos os seus bens. E apesar de muitas e extensas terras de
semeadura, matas, casas, gados e mais riquezas que deu, ainda se considerava
devedor aos bons velhos. E estes, devedores ao Fidalgo que, em troca duma pedra
que lhes não servia de coisa nenhuma, os deixava senhores de belas terras que
tanto amavam, e cultivavam de há muito, como servos.
Não foram só os dois contratadores que
ficaram satisfeitos. O povo todo ganhou com a riqueza dos bons velhos, pois
estes dizendo que Deus fizera descobrir aquela pedra preciosa e o seu valor
para bem de todo o País, dividiram as terras por muitas famílias, para mais
facilmente as cultivarem e todos terem que comer. O Fidalgo, que nunca estava
nas terras e que não se importava senão com o seu rendimento, melhor ficou com
um tesouro que meteu na bolsa, e podia transformar em rios de dinheiro.
Com justiça, honradez e bom senso, todos
poderíamos ser felizes à luz do sol que todos ilumina e aquece. Cada um
conforme o seu gosto, as suas aptidões e maneira de viver.
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Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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