terça-feira, 28 de dezembro de 2021

O pobre e o rico (Fábula), de Justiniano José da Rocha

 

O POBRE E O RICO 

Sentado na sua tripeça levava todo o dia um sapateiro a trabalhar e a cantar. Defronte dele morava um opulento banqueiro, que de contínuo se praguejava porque apetite e sono não são coisas que se possam comprar; o desgraçado rico não podia comer, nem dormir; em nada achava divertimento; insípido aborrecimento por toda parte o acompanhava. Que perseguição a em que vivo! exclamava entre bocejos; dinheiro tenho-o de sobra, gasto-o às mãos cheias, frequento todas as reuniões e divertimentos, e os dias pesam-me! ainda mais me pesam as noites! Como conseguirei matar estas importunas horas que me matam! Quão feliz é o meu vizinho sapateiro! Desde que rompe o dia até que anoitece, ei-lo a rir-se e a cantar; à noite o maior sossego reina em sua casa, e diz que ele está dormindo, até às vezes ouço roncar! Quero saber de que receita usa.

Mandou pois chamar o sapateiro: “Viva, mestre; folgo de o ver sempre alegre, e bem disposto; ora diga-me, como faz para assim conservar-se; quanto ganha por ano?” — Por ano! meu senhor, não zombe da gente; pois nós lá sabemos quanto ganhamos; vamos vivendo cada dia com o lucro da véspera, e com tanto que haja saúde, e não falte que fazer, não falta pão; o que mais podemos querer? “Se com tão pouco está feliz, quero vê-lo felicíssimo; aqui tem este saco do dinheiro; é seu!“

O sapateiro desfez-se em agradecimentos; levou para casa o dinheiro, contou, repartiu pelos anos que esperava viver; era de sobra. Procurou um esconderijo em que o guardasse, e de contínuo inquieto ia vê-lo; não o achava bem guardado; mudava-o de esconderijo; de tudo se temia; à noite, à noite especialmente, tudo lhe era ladrão. Nem mais sossegado dormir, nem mais alegre cantar! Ao cabo de um mês, já amarelo, magro, triste, teve uma boa lembrança, agarra no saco do dinheiro, e vai à casa do vizinho. Tome lá, meu senhor, o seu saco, exclama; quero ver se recobro o meu sono e as minhas cantigas.

MORAL DA HISTÓRIA: O homem confunde a riqueza com a felicidade; é o mais triste dos seus erros.



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Ano de publicação: 1852.
Origem: Brasil  (imitadas de Esopo e La Fontaine)

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