O POBRE E O RICO
Sentado na sua tripeça levava todo o dia um sapateiro a trabalhar
e a cantar. Defronte dele morava um opulento banqueiro, que de contínuo se
praguejava porque apetite e sono não são coisas que se possam comprar; o
desgraçado rico não podia comer, nem dormir; em nada achava divertimento;
insípido aborrecimento por toda parte o acompanhava. Que perseguição a em que
vivo! exclamava entre bocejos; dinheiro tenho-o de sobra, gasto-o às mãos
cheias, frequento todas as reuniões e divertimentos, e os dias pesam-me! ainda
mais me pesam as noites! Como conseguirei matar estas importunas horas que me
matam! Quão feliz é o meu vizinho sapateiro! Desde que rompe o dia até que
anoitece, ei-lo a rir-se e a cantar; à noite o maior sossego reina em sua casa,
e diz que ele está dormindo, até às vezes ouço roncar! Quero saber de que
receita usa.
Mandou pois chamar o sapateiro: “Viva, mestre; folgo de o ver
sempre alegre, e bem disposto; ora diga-me, como faz para assim conservar-se;
quanto ganha por ano?” — Por ano! meu senhor, não zombe da gente; pois nós lá
sabemos quanto ganhamos; vamos vivendo cada dia com o lucro da véspera, e com
tanto que haja saúde, e não falte que fazer, não falta pão; o que mais podemos
querer? “Se com tão pouco está feliz, quero vê-lo felicíssimo; aqui tem este
saco do dinheiro; é seu!“
O sapateiro desfez-se em agradecimentos; levou para casa o
dinheiro, contou, repartiu pelos anos que esperava viver; era de sobra.
Procurou um esconderijo em que o guardasse, e de contínuo inquieto ia vê-lo;
não o achava bem guardado; mudava-o de esconderijo; de tudo se temia; à noite,
à noite especialmente, tudo lhe era ladrão. Nem mais sossegado dormir, nem mais
alegre cantar! Ao cabo de um mês, já amarelo, magro, triste, teve uma boa
lembrança, agarra no saco do dinheiro, e vai à casa do vizinho. Tome lá, meu senhor,
o seu saco, exclama; quero ver se recobro o meu sono e as minhas cantigas.
MORAL DA
HISTÓRIA: O homem
confunde a riqueza com a felicidade; é o mais triste dos seus erros.
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Ano de
publicação: 1852.
Origem:
Brasil (imitadas de Esopo e La Fontaine)
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