Roberto era muito trabalhador e serviçal.
Sempre que alguém precisava dos seus serviços, prestava-os de boa vontade,
sendo por esse motivo estimadíssimo por toda a gente que o conhecia.
Tinha ele três filhas, cada qual mais bonita,
principalmente a mais moça, de beleza extraordinária, chamada Marocas.
A pobre família vivia da pesca que o homem
fazia todas as madrugadas, indo, durante o dia, vender o peixe pelas ruas da
cidade próxima.
O seu único sustento e de toda a sua numerosa
família era a pesca. Parte da noite, até romper a manhã, Roberto passava
pescando. Durante o dia, ia vender o peixe de casa em casa. À tarde tratava da
canoa, das linhas e das redes.
Feliz no seu negócio, trazia sempre a canoa
cheia de peixes grandes e bons.
Um dia lançou a rede ao mar e nada trouxe.
Lançou-a outra vez, e só vieram peixinhos
pequenos, que nada valiam.
No dia seguinte aconteceu-lhe o mesmo que na
véspera. Deitou a rede diversas vezes; e, nada tendo conseguido, ia voltar para
casa, desolado, pensando que naquele dia sua família não teria o que comer.
De súbito ouviu uma voz que partia do mar:
— Roberto, terás muito peixe, se me
prometeres trazer o que avistares, assim que chegares à casa.
O pescador respondeu que daria, pois sempre
chegava à praia, encontrava o cachorrinho de Marocas, que ia esperá-lo, latindo
e saltando alegremente.
Tendo-o prometido, os peixes começaram a
saltar para a canoa, e ele nesse dia obteve muito dinheiro com a sua venda.
De volta o pobre velho ia quase abicando à
praia, contentíssimo por ter dinheiro para dar à família, quando ao olhar para
a terra viu sua filha mais moça, Marocas, justamente aquela por quem tinha
maior predileção.
Ficou desesperado, aturdido, triste,
lembrando-se da promessa e chegando à casa contou à família o que se tinha
passado.
Quando acabou de falar a menina respondeu:
— Meu pai, não chore por tão pouco. Eu vou e
estou certa de que é para meu bem. Com certeza serei muito feliz, e demais
minha família terá sempre com que se sustentar.
Roberto vendo como a filha se sacrificava por
ele de tão boa vontade, ficou menos pesaroso. No dia seguinte, pela madrugada,
embarcou com ela na canoa de pesca.
Assim que chegou ao lugar onde ouvira a voz,
as águas se separaram um pouco, e o pescador atirou Marocas, que desapareceu
imediatamente.
Voltou para terra com a canoa cheia de
peixes, sem ter sido preciso lançar a rede.
A moça foi ter a um palácio no fundo do mar,
habitado pelo Rei dos Peixes, que fora quem havia falado ao pescador.
Encontrou aí tudo quanto lhe era necessário:
salas e quartos mobiliados, vestidos riquíssimos e joias de subido valor.
Entre essas joias havia um anel de
brilhantes, muito rico, com uma dedicatória feita pelo soberano dos peixes.
Contudo, apesar de tudo isso, Marocas vivia
tristíssima, porque não via pessoa alguma, principalmente os seus.
O serviço da casa era feito por encanto, pois
nunca vira um ser vivente no palácio, e os objetos estavam sempre em ordem.
Depois de já estar habituada àquela solidão,
na noite, quando já estava deitada, a formosa Marocas ouviu ruído.
Sentiu-se receosa, assustada, esperando ver
entrar algum monstro, algum bicho que viesse matá-la.
Sossegou, porém, ao ver entrar um enorme
peixe, com uma coroa de ouro na cabeça.
Era o rei dos Peixes. Entrou silencioso,
quase sem fazer bulha, andando naturalmente em seco como se estivesse na água.
O rei entrou dentro, e logo após saiu,
aparecendo aos olhos deslumbrados da jovem um moço elegante e lindo, ricamente
vestido à corte, com trajes de gala, que bem indicavam o seu nascimento real.
Sempre calado, aproximou-se da moça e pôs-se a contemplá-la, enleado,
maravilhado.
Marocas disse-lhe então:
— Príncipe, por que não vieste há mais tempo?
— Porque receei que, vendo um peixe tão feio,
tivesses medo. Se vim hoje admirar tua beleza, foi porque julgava que dormias.
Desde esse dia, Marocas e o rei dos Peixes
viveram juntos, completamente felizes. O serviço do palácio continuava a ser
feito por encanto. O único ser vivo que a moça via era o Rei-peixe e sempre
nessa figura.
Apenas uma vez, de sete em sete dias, deixava
aquela aparência, para vir a ser o príncipe encantador, divinamente belo, que
era em verdade.
Estavam casados havia já um ano, quando uma
vez, Marocas lhe pediu, rogou, suplicou, insistentemente que a deixasse ir ver
sua família.
— Podes ir, respondeu o príncipe, mas com a
condição de só te demorares lá uma semana. Quando quiseres voltar, põe este
anel no dedo, que imediatamente estarás aqui. E deu-lhe um anel de aço.
A moça pôs num baú muita roupa e presentes
que levou à família, e no dia seguinte quando o velho Roberto veio pescar,
apareceu na canoa e foi com ele para terra.
Em casa ficaram todos muito alegres ao vê-la,
e sua mãe e suas irmãs começaram a indagar como vivia ela; se estava
satisfeita; se o noivo era bonito.
Marocas respondeu que julgava que era, que
não garantia, pois só via o príncipe de noite.
Lembraram-lhe, então, a conveniência de levar
para o fundo do mar um pedaço de vela, para saber se o rei de fato era bonito.
A jovem concordou. Ao sexto dia, chegando ao
palácio, não dormiu à noite, esperando que o príncipe adormecesse primeiro que
ela.
Assim que o ouviu ressonar, saiu da cama, com
a vela acesa, e foi se certificar da beleza do noivo. Tendo porém, chegado a
vela muito perto, deixou cair um pingo de sebo no peixe. Ficou trêmula de medo,
receando que ele acordasse, e com o tremor, derramou mais outros pingos, os
quais se transformaram em chagas.
O Peixe-rei acordou, sofrendo horrivelmente,
e exclamou:
— Foste tu a causa destas chagas. Se quiseres
viver comigo, tens que me procurar num lugar muito distante daqui, chamado pico
do Amor.
Assim que o peixe acabou de dizer essas
palavras, desapareceu por encanto, e Marocas viu-se num lugar deserto, em meio
de uma mata virgem.
Começou a caminhar muito triste; e, como
estava fatigada, sentou-se debaixo de uma árvore, e ouviu esta conversa:
— O rei dos Peixes está muito mal e ninguém
pode pô-lo bom, porque não sabem qual é o remédio necessário.
Disse outra voz:
— Nada mais fácil, basta apanhar três de nós,
torrar-nos e colocar esse pó nas feridas.
Disse uma terceira voz:
— Ai de nós, se souberem disso!...
A moça levantou-se para ver onde estavam as
pessoas que assim falavam.
Ficou admirada quando viu três andorinhas,
que conversavam no alto de uma árvore.
Armou um laço e apanhou-as. Imediatamente
torrou-as, guardando cuidadosamente o pó.
Continuou a andar, até que chegou finalmente
ao pico do Amor, por onde se entrava para o palácio do rei dos Peixes.
Soube que ele estava quase para morrer e
pediu que a deixassem falar com o rei, o que os criados não consentiram. Não
desanimou. Insistiu outra vez, tanto, tanto, que conseguiu mandar-lhe um prato
de mingau.
O príncipe começou a comê-lo, e quando pôs a
segunda colherinha na boca, sentiu que havia um caroço misturado no mingau. Foi
ver o que era, e reconheceu o anel que tinha dado à filha do pescador.
Ordenou que trouxessem a mendiga ao quarto e
conheceu a moça.
Dias depois já estava restabelecido, graças
ao remédio das andorinhas que Marocas trouxera.
Voltaram ao Palácio do Mar, apanharam todas
as riquezas e foram morar em terra.
Mandaram buscar o pescador Roberto e sua
família, e casaram-se dias depois.
O príncipe desencantou-se de uma vez e nunca
mais se transformou em peixe.
---
Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
Nenhum comentário:
Postar um comentário