Gansos, patos, marrecos e outras aves da
mesma espécie residiam em vasto cercado que o dono da casa lhes dera por
domínio. Viviam bem, satisfeitos da vida, contentes com a sorte, porque nesse
cercado havia uma pequena lagoa, onde, durante o dia, iam se banhar, catando
com o bico bichinhos que apareciam à beira do lago, ou comendo peixinhos que
podiam apanhar, quando nadavam.
Em certas épocas do ano, aves de países
distantes vinham de passagem por aquelas regiões; e estacionavam na lagoa, para
descansar das grandes fadigas que traziam, voando de um para outro lugar.
Era lindo ver-se, então, aquela porção de
aves aquáticas, nadando pela lagoa soltando gritos de contentamento.
Ora, uma vez, estava uma velha pata chocando
alguns ovos que pusera, deitada num ninho de folhas.
E andava muito intrigada, meio desapontada,
por causa de um ovo, um só ovo, enorme, colossal, estranho, que, sem ela saber
como, viera parar no meio dos outros. Supunha ser de alguma das aves que por
ali passavam, e que, inconscientemente, o pusesse em seu ninho, assim que ela
começara a postura.
Estava a velha pata no choco, havia já quase
quatro semanas, e só faltavam quatro dias para os patinhos saírem dos ovos, o
que ela esperava com paciência, quando um belo dia, apareceu picado um primeiro
ovo.
Foi uma alegria em todo o bando, e as
comadres vieram dar-lhe os parabéns.
Ela, satisfeita, agradecia as visitas,
dizendo que, dentro de dois dias, tencionava levar os patinhos à lagoa, para
aprenderem a nadar.
Dias depois, saiu finalmente o último
patinho. Só faltava o ovo grande, que, no entanto, nem sinal dava de estar
picado.
As outras aconselhavam à velha pata que
abandonasse o intruso. Aquele ovo, evidentemente muito diverso dos outros,
enorme, não era dela; e, assim cometia uma tolice vivendo em cima dele, a
chocá-lo. Patas houve que asseveraram poder até ser de um bicho, um ovo tão
grande; e que esse bicho, crescendo, poderia comer todos os patos do bando.
Mas a pata não ouviu tais conselhos. Disse
que queria ver que ave sairia dali; que aquilo era ovo de ave, se estava vendo;
e que enquanto não saísse, ela não abandonaria o ninho.
Sete dias depois de sair o último patinho, a
velha pata viu o ovo grande picado, e apareceu um bicho, parecido com pato, é
verdade, mas todo torto, escuro e aleijado.
Depressa a pata se arrependeu de ter chocado
um bicho tão feio. Mas, como era boa, e não querendo dar o braço a torcer,
mostrando-se aborrecida de ter na sua ninhada um pato desgracioso, repugnante,
nada falou às comadres.
Na manhã seguinte, bem cedo, disse para os
filhos:
— Vamos, meus patinhos, hoje é dia de sairmos
do ninho; quero levá-los à lagoa e apresentá-los às suas tias e a seu pai, o
pato velho.
Quando a pata apareceu, foi uma festa geral,
e houve enorme alegria no bando. Todos a felicitaram elogiando os patinhos.
Uma pata, porém, mais indiscreta, reparou no
patinho aleijado, e disse para as companheiras: “Onde teria ela arranjado
aquilo?”
— Olha que bicho a nossa comadre chocou!
Desde então, não cessaram as caçoadas,
remoques, debiques, vaias por todo o plumitivo bando, na mãe e no filho. E a
coisa chegou a tal ponto que a pata, aborrecida, desgostosa, começou a odiar o
aleijado.
No entanto, o infeliz palmípede vivia muito
modestamente, sem fazer mal a ninguém, sabendo nadar melhor que todos, mas
sempre repelido.
O tortinho não podia viver naquele bando,
tantas eram as beliscadas que lhe davam, tal era o inferno em que vivia.
Assim, resolveu fugir; e, um belo dia,
nadando pela lagoa a fora, distraiu-se, a ponto de quando chegou a noite, já
estar do outro lado, à margem de um juncal muito grande.
Aí chegado, procurou um lugar onde passar a
noite, e dormiu até pela manhã.
No outro dia achou que o local era bom, e
viveu aí, satisfeito, sem ter mais quem o ferisse. Uma vez, estando a banhar-se
na lagoa, viu dois pássaros, voando muito alto, tão alto, que quase encostavam
nas nuvens. O aleijadinho, ao vê-los, sentiu uma coisa dentro e si, e soltou um
grito estrídulo, tão forte, que se admirou de ter realizado um feito tão
sublime, como aquele som altíssimo que dera.
Passou o resto do dia triste, pensando
naquelas duas aves, que haviam passado tão perto do céu, voando tão serenas.
Pediu a Deus que lhe desse forças para fazer o mesmo que aquelas lindas aves.
E a sua existência deslizava-se tristíssima,
sem prazeres de espécie alguma, solitária, enfadonha, aborrecida, monótona,
quando, uma madrugada, cedo, o silêncio do juncal foi quebrado por inúmeros
latidos de cães e tiros de espingardas. Eram caçadores que tinham vindo em
busca de aves aquáticas.
Assim que o patinho viu aquela porção de
gente a matar pássaros, e cachorros perseguindo diversas aves, escondeu-se
muito triste em uma capoeira. Fechou os olhos, e esperou a morte.
Os caçadores levaram todo o dia a atirar; e,
à noite, depois de se retirarem, o patinho fugiu daquela lagoa, pensando que no
dia seguinte podiam voltar e talvez ele não escapulisse.
Foi andando pelo mato, até que encontrou uma
casinha, onde morava uma velha, em companhia de um gato e de uma galinha.
A velhinha, ao ver o novo hóspede, começou a
tratá-lo muito bem, imaginando que era uma pata, a qual, do mesmo modo que a
galinha, lhe daria ovos, frescos e excelentes, para o seu sustento.
O patinho vivia contente pelo bom trato que
recebia da velha, apesar da má vontade que lhe mostravam o gato e a galinha.
Passados dois meses, a velha viu que o pato
era macho, e por isso perdeu a esperança dos ovos.
Começou então a maltratar o bichinho que,
vendo-se perseguido pelos dois companheiros, o gato e a galinha, começou a
maldizer de sua sorte.
Dizia o gato:
— Sabes caçar ratos? Se não sabes, vai-te
embora, pois não tens serventia.
— Sabes pôr ovos? perguntava a galinha. Então
vai-te embora, pois não tens serventia.
E o patinho, vendo-se assim injuriado
diariamente, uma bela manhã desapareceu da casa da velha.
Pensando na sua vida amargurada, seguia
caminho em fora, quando viu de novo dois pássaros que voavam muito longe, bem
alto.
Reconheceu naquelas aves as mesmas que, uma
vez, haviam passado por ele, na lagoa, e soltou segundo grito.
Ficou admirado de tê-lo dado tão alto, e
quase morreu de contentamento quando ouviu os dois pássaros responderem ao seu
chamado.
Eles voavam, porém, alto, muito alto, e não
mais responderam.
O patinho foi muito triste, nadando sempre,
até que parou no lagozinho de um jardim de casa rica.
O pobrezinho, desde que saíra da lagoa, com
medo dos caçadores nunca mais vira água onde pudesse banhar-se.
Entrou na água, e começou a dar gritinhos de
contentamento.
Nisso apareceram dois grandes patos, brancos,
tão brancos como a neve, nadando em direção a ele, com as asas levantadas
fazendo de velas.
O patinho aleijado, vendo dois patos tão
bonitos dirigindo-se para ele, envergonhou-se e baixou o pescoço, para se esconder.
Nisso viu que a sua imagem, reproduzida na
água, era semelhante à dos patos brancos.
Uma criança, que ouvira os gritos do patinho
ao entrar no tanque, veio ver que pássaro assim gritava, e exclamou:
— Que lindo cisne! meu pai, venha ver. É mais
bonito que os nossos, que existem no lago; como é formoso!
E pôs-se a dar-lhe migalhas de pão.
O patinho aleijado, que ouviu chamarem-no de
cisne, e de bonito, ficou maravilhado de tanta felicidade, e começou a nadar
garbosamente, à semelhança dos outros, com as asas levantadas, parecendo as
velas enfunadas de uma embarcação.
***
Mais tarde explicou-se o caso.
O ex-patinho devia ser filho de algum cisne,
que, passando por acaso pela morada dos patos, pusera um ovo no ninho da velha
pata.
O aleijado, agora transformado em magnífico, lindo cisne, ainda viveu muito feliz em companhia de seus dois irmãos, os cisnes do lago.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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