Havia um homem que possuía um pássaro preto
de muita estimação. Tinha também um filho muito reinador, que indo dar comida
ao pássaro esqueceu a portinhola aberta. O pássaro fugiu e levou o menino no
bico.
Longo tempo voou o pássaro com o menino no
bico, até que chegou a um palácio maravilhoso. Lá soltou-o e mandou pôr a mesa
para o almoço. Terminado o almoço entregou ao menino uma chave, dizendo ser a
chave do primeiro dos sete quartos que davam para aquele salão. E foi-se embora
voando.
O menino abriu o quarto e encontrou uma
porção de cavalos, com os quais se divertiu grandemente, a ponto de esquecer de
jantar.
No dia seguinte, antes de sair, o pássaro
preto deu ao menino a chave do segundo quarto, onde havia uma porção de
arreios. E assim o pássaro preto foi dando as chaves de todos os quartos até
chegar ao quinto.
O terceiro estava cheio de moças brancas; o
quarto estava cheio de mulatinhas e o quinto estava cheio de espadas.
O menino cresceu naquele palácio, onde tinha
tudo quanto desejava. O pássaro dizia sempre: "Seja bonzinho e obediente,
que darei a você tudo quanto houver por aqui. Só não quero que abra as portas
do sexto e do sétimo quartos. Se abri-las, perderá o que já tenho dado e não
ganhará nada do que está prometido."
Mas o moço não resistiu à tentação, e um dia
entrou no sexto quarto. Encontrou lá um lindo rio de prata. Enfiou o dedo e
ficou com o dedo prateado. Como era agora? Para que o pássaro preto não visse o
seu dedo prateado, amarrou-o com uma tira de pano.
O pássaro preto, porém, era bom adivinhador;
ao ver aquele dedo amarrado, percebeu tudo.
— Já sei que abriu o sexto quarto — disse
ele. — E o moço, com muito medo, confessou tudo: "Abri, sim, padrinho (ele
tratava o pássaro de padrinho), mas espero que não me castigue."
— Desta vez perdoo, mas castigarei se abrir o
sétimo quarto — disse o padrinho, entregando-lhe a chave e voando.
O moço resistiu quanto pôde, mas afinal abriu
também o sétimo quarto, onde encontrou um rio de ouro. Molhou o dedo no ouro
líquido e ficou com o dedo dourado. Teve de amarrá-lo com outra tira de pano.
O pássaro preto voltou e, percebendo tudo,
disse:
— Como castigo da desobediência, vou
mergulhar você nesses dois rios e botá-lo daqui para fora. — E mergulhou-o no
rio de prata, depois no rio de ouro e por fim soltou-o fora do palácio. Mas de
dó do afilhado lhe deu uma varinha de condão.
O moço foi andando até dar num reino onde
encontrou um negro velho de nome Gaforinha. Pintou a cara e comprou a roupa
desse negro, para poder entrar na cidade sem que o povo percebesse que ele era
dourado e prateado.
Mas uma princesa que estava à janela viu de
longe a cena e foi dizer ao rei, seu pai, que queria casar-se com o mais
esfarrapado negro velho que entrasse na cidade. O rei muito se assombrou com o
desejo da filha, mas não teve remédio senão fazer-lhe a vontade. Mandou que
pegassem o negro e o trouxessem ao palácio. Quando o negro soube que a princesa
queria casar-se com ele, ficou também assombradíssimo, porque estava longe de
supor que ela sabia de tudo.
Casaram-se e ele nem tinha coragem de
deitar-se na cama da princesa; dormia no chão, numa tábua. Aquilo desgostou
imensamente o rei, a ponto de fazê-lo cair doente, muito mal do coração. A
família fez uma promessa a Nossa Senhora, que se o rei sarasse haveria uma
grande festa. O médico veio e receitou como remédio três pássaros de pluma.
O negro soube de tudo, e soube também que os
príncipes casados com as outras filhas do rei iam sair a cavalo pelo mundo em
procura dos pássaros de pluma. Ele então pediu à varinha mágica que lhe desse
um coche muito rico, um vestuário deslumbrante e três pássaros de pluma. Entrou
no coche e lá se foi ao encontro dos genros do rei.
Assim que estes viram naquele coche os três
pássaros, perguntaram ao viajante se eram mesmo pássaros de pluma e se os
queria vender. O viajante respondeu que só cederia os pássaros se os moços se
deixassem marcar na perna com um ferro em brasa. Eles consentiram. Foram
marcados na perna e correram ao palácio do rei doente com os três pássaros de
pluma. O rei comeu-os e sarou. Começaram as grandes festas.
A princesa casada com o negro foi para a
igreja sozinha, mas o seu marido pediu à vara de condão que fizesse aparecer
outro coche ainda mais lindo que o primeiro e outro vestuário deslumbrante — e
entrando no coche foi no galope, de modo a chegar à igreja antes de sua mulher.
Entrou no templo, onde todos se admiraram de tanta beleza. Mas quem mais se
admirou foi sua própria esposa, que estava a mil léguas de imaginar que aquele
fosse o seu marido negro. As irmãs casadas com os príncipes disseram-lhe: "Com
um moço assim é que você devia ter-se casado, e não com um negro tão
preto."
Na festa do dia seguinte o negro pediu à vara
de condão que fizesse aparecer um coche ainda mais lindo e um vestuário ainda
mais deslumbrante — e foi esperar a esposa na igreja, deixando-a terrivelmente
impressionada com a sua beleza e a sua riqueza.
No terceiro dia, a mesma coisa: um coche
ainda mais lindo e um vestuário que era um céu aberto. Depois das festas na
igreja houve banquete no palácio — e o negro se apresentou no mesmo coche e nos
mesmos trajes do dia em que cedeu os pássaros de pluma aos genros do rei.
Os príncipes ficaram muito espantados de ver
ali aquele homem, e mais ainda quando o desconhecido declarou que não se
sentava em mesa em que sentassem seus escravos.
— Que escravos? — perguntou o rei.
O moço apontou para os genros do rei dizendo que eram seus escravos, pois tinham as pernas marcadas com a mesma marca com que ele marcava os seus bois.
O rei examinou a perna dos moços e viu as
marcas. Ao saberem disso, as princesas casadas com eles se atiraram pelas
janelas; e os pobres príncipes fizeram o mesmo. E o rei ficou numa tal tristeza
que morreu dias depois. E então o Gaforinha ficou dono de todo o reino.
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Ano de
publicação: 1922.
Pesquisa
e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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