Longe, muito longe
daqui, lá para as bandas onde o sol nasce, dizem que existia maravilhoso país,
diferente em tudo e por tudo do nosso.
Governava-o um soberano,
um rei, que fez a felicidade dos seus súditos, pelos generosos dotes de coração
que abrigava; pelo seu amor e respeito à Justiça, ao Direito, à Liberdade, à
Igualdade e à Fraternidade; e, sobretudo pela sua grande sabedoria.
Chamava-se Marval, e
tinha três filhas, qual delas a mais bonita: a primeira tinha por nome Alice, –
a do meio – Rosa, e a terceira, – Amanda.
Um dia ordenou-lhes o
pai que elas lhe contassem todos os dias, pela manhã, o sonho que por acaso,
cada uma tivesse durante a noite.
As meninas receberam
essa ordem com certa estranheza. Contudo, como eram mui obedientes, prometeram
cumprir o que lhes era mandado.
À noite, antes de se
deitarem, em conversa, começaram a discutir aquela ordem absurda e tão fora de
propósito.
Dizia Alice, a mais
velha:
— Estou admirada da
ordem que o nosso pai nos deu, manas, tão esquisita é ela; e nem sei que farei
amanhã, se acaso sonhar uma tolice, como às vezes sucede a gente sonhar. Com
certeza terei pejo em narrá-la.
— Eu não, disse Rosa,
não tenho vergonha alguma de meu pai, e contarei tudo, se tiver algum
sonho.
— E eu, falou Amanda, a
caçula, já que, é a vontade do meu pai, dir-lhe-ei tudo nem que saiba zangar-se
ele depois comigo.
No dia seguinte, pela
manhã, Marval mandou, dizer às moças que já estava à espera, para elas lhe
contarem os seus sonhos.
As duas primeiras nada
tinham sonhado, por isso nada disseram. Amanda, porém, sonhara que por aqueles
dias havia de se casar com um príncipe muito lindo e muito rico, senhor de um
país onde as casas eram de ouro e pedras preciosas, e que cinco reis haviam de
lhe beijar a mão, achando-se entre eles seu pai.
O monarca, zangadíssimo
com a filha, declarou que se ela sonhasse outra vez semelhante coisa, e tivesse
coragem de lhe relatar outro sonho, assim tão soberbo, mandaria matá-la.
As duas irmãs ficaram
tristes, quando souberam do sonho de Amanda e foram lhe pedir para não contar
outro, que por ventura tivesse, no mesmo sentido, sendo nesse caso preferível
mentir.
— Papai disse que te
mandaria matar. Ora, bem sabes que palavra de rei não volta atrás. Por isso
acho bom nada mais lhe narrares.
No dia seguinte a menina
quis enganá-lo. Mas como não sabia mentir, chegou-se para ele chorando muito, e
lhe contou entre lágrimas, o sonho da véspera, que se repetira naquela
noite.
Marval enfureceu-se com
a desobediência da filha, pensando, que ela estava procedendo propositadamente.
Mandou, pois, que os criados a levassem para uma floresta distante, e a
matassem; trazendo-lhe o dedo mindinho, como prova de sua morte.
As irmãs, tendo notícia
da sentença, de joelhos, pediram ao rei que a perdoasse, pois se Amanda havia
contado o sonho, foi porque lho tinha sido ordenado; que elas duas lhe haviam
aconselhado não repetir a narração, mas, como era muito verdadeira, não quis
mentir, e confiara na bondade do pai para absolvê-la.
— Antes papai a mande
presa para a torre dó castelo, opinou Rosa, sem poder sair, senão uma vez por
ano.
Continuando a suplicar o
perdão da irmã, ou, pelo menos, a comutação da pena, Rosa e Alice inventaram
mil castigos. O rei, todavia, foi inflexível; não revogou a ordem, e as meninas
saíram dali com o coração cheio de dor, pela próxima perda da irmãzinha que
tanto estimavam.
No outro dia, assim que
rompeu a madrugada, a princesa Amanda partiu para a Floresta Negra, toda de
luto, com um véu preto, que lhe cobria completamente o rosto, a ponto de
torná-la desconhecida.
Ordenara-lhe Marval o
uso desse véu, para que a corte ignorasse o fato, e não começasse a propalar a
sua maldade.
Os próprios criados de
confiança, que foram designados para matar a princesa, não sabiam quem era
aquela moça toda de preto, com um véu tão espesso, que não deixava ver sequer a
sua fisionomia.
Antes de chegarem à Floresta Negra, os emissários
reais encontraram uma velhinha, uma mendiga, que todos os dias ia receber
esmolas que Amanda lhe dava.
Essa velhinha, que era
adivinha, ao ver passar aquela gente tão cedo, ainda de madrugada, conheceu
logo a princesa, e gritou:
— Adeus, princesa
Amanda, minha benfeitora, filha do muito poderoso rei Marval! Desejo-lhe muitas
venturas. Vá depressa, que seu noivo está à sua espera!...
A moça, que ia muito
triste, pensando na sua sorte desgraçada, mais triste ficou, por se lembrar que
a pobrezinha ia passar sem esmolas.
Não obstante não poder
parar, nem um segundo, sob hipótese alguma, a carruagem que ia, teve ela ainda
tempo de atirar uma moedinha, que se achava acaso no bolso do vestido.
A velha, compreendendo o
bom coração da menina, exclamou:
— Deus nunca desampara
os bons, princesa Amanda! Nossa Senhora há de acompanhá-la e protegê-la!
Ora, entre os criados
que haviam ido levar a princesa, para matá-la na Floresta Negra, achava-se um,
de nome João, já velho, que a tinha criado. Sabendo, pelas palavras da mendiga,
que a moça a quem levavam para assassinar tão cruelmente, ser a sua querida, a
sua extremosa, sua dileta filhinha, – como ele chamava e considerava a
princesa, – protestou logo no não-cumprimento da ordem real, sucedesse o que
sucedesse.
Firme nesse propósito,
logo que o cortejo chegou à entrada da Floresta Negra, João disse aos seus
companheiros que fora ele o encarregado de matar a moça; e por isso que o
esperassem ali, pois não precisava de ajudante para tal serviço. Levou a menina
para longe, no meio da mata, e como estimava muito a princesinha teve pena de
matá-la. Trouxe, todavia, para o rei não desconfiar, o dedo mínimo de Amanda
como, prova de sua morte, e em cumprimento à ordem que recebera.
Assim que a jovem Amanda
se viu só, principiou a chorar de medo, porque ouvira dizer que aquela floresta
era mal-assombrada. Começou a andar; e, andando muito, já bastante fatigada,
chegou a um buraco.
Aproximou-se dele, e
assim que transpôs a entrada, percebeu que quanto mais caminhava, tanto mais
largo se tornava ele, do mesmo modo que o terreno mais pedregoso e cheio de
raízes, se cobria de relva fina e macia, que seus pés cansados pisavam.
Prosseguindo sempre,
deparou-se-lhe deslumbrante palácio todo de mármore cor-de-rosa, e janelas e
portas de ouro.
Sentindo-se bem, ficou
residindo aí, satisfeita, almoçando, jantando e ceando, sem no entanto ver
pessoa alguma, o que de algum modo a impressionava.
A única coisa que
quebrava o silêncio desse palácio, era um papagaio, que falava dentro de um
quarto fechado e cujas portas jamais se abriam.
***
Havia algum tempo já que
Amanda ali se achava, vivendo, cada vez mais serena e feliz, apenas muitíssimo
triste, quando um dia, lhe apareceu um moço, formoso, ricamente vestido.
Entregou-lhe ele a chave do quarto, dizendo que podia abri-lo, o que fez sem
mais demora.
Foi um deslumbramento.
Ficou maravilhada de ver papagaio tão grande, tão bonito, de asas tão douradas
que parecia o sol, e tendo na cabeça um diamante de inexcedível preço, e lindo,
lindíssimo, sem igual no mundo.
Ao ver aproximar-se a
moça, a ave sacudiu as penas, contentíssima, e disse:
— Bons-dias, princesa
Amanda, filha do rei Marval! Como vem tão bonita, tão formosa!
— Mais
formoso do que eu, és tu, meu lindo papagaio dourado...
Ainda bem não havia
terminado a última palavra, e o papagaio transformou-se no lindo moço que lhe
tinha aparecido para lhe dar a chave do quarto.
Esse moço era sua alteza
o príncipe imperial Calcim, filho e herdeiro de Manarés XI, imperador da região
das Pedras Raras. Fora transformado num papagaio, e deveria permanecer nesse
estado até encontrar uma princesa que descobrisse o palácio subterrâneo e o
desencantasse.
Assim, meses após,
celebrou-se o seu casamento com Amanda, comparecendo cinco reis tributários do
imperador Manarés XI, entre os quais se achava o rei Marval para beijarem a mão
da noiva.
Todos os outros beijaram
a mão da princesa, mas, quando chegou a vez de Marval, a nova imperatriz
recusou-a.
Escandalizado com tão
grave injúria, à vista dos outros reis, Marval perguntou o motivo do procedimento da princesa.
Calcim, querendo dar uma
satisfação da recusa, perguntou a Amanda por que assim procedia com um rei tão
ilustre e senhor de uma nação poderosa e amiga.
A moça narrou, então, a
sua história, que foi ouvida por todos com a máxima atenção. Marval foi muito
censurado, mas, mostrando-se arrependido, obteve o seu perdão, e viveu feliz
ainda muitos anos.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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