Em companhia de vários fidalgos, D. Bias,
poderoso príncipe, herdeiro do importante reino de Avalão, foi uma vez à caça
embrenhando-se numa imensa e intrincada floresta, que havia às portas da
cidade. Não conhecendo o caminho, sua alteza, tendo-se afastado de sua comitiva,
perdeu-se no mato, e não houve meio de poder dali sair.
Depois de andar léguas e léguas, chegou,
extenuado, a uma caverna aberta numa grande montanha. Residia aí uma família de
gigantes, composta de pai, mãe e filha.
O gigante, que se chamava Ragarrão, estava
fazendo lenha para o jantar. Arrancava facilmente com uma só mão, velhas
árvores, que nem vinte juntas de bois poderiam sequer balançar.
Ragarrão, avistando o príncipe, que lhe
pareceu um anãozinho, comparado com ele, por não lhe chegar nem até os joelhos,
exclamou:
— Oh! que homem tão miudinho! Que queres
aqui, anão?
O príncipe contou-lhe a sua história; e
Ragarrão disse:
— Bem, visto isso, ficarás aqui, como meu
criado. E ficou chamando D. Bias de Miudinho.
Passado algum tempo, a filha do gigante,
Clandira, apaixonou-se por D. Bias, e D. Bias por ela.
Ragarrão, desconfiando da coisa, chamou o
príncipe, e disse-lhe:
— Contaram-me que tu te gabavas de ser capaz
de edificar, em uma só noite, um palácio para mim e minha filha. Se tal não
fizeres, amanhã, pela manhã, matar-te-ei.
O príncipe ficou desesperado; e chorava
amargamente quando apareceu Clandira, que lhe falou:
— Não te desesperes, meu querido príncipe.
Amanhã, pela manhã, o palácio estará feito.
Assim foi, porque Clandira era encantada.
Quando Ragarrão viu aquela obra, não pôs
dúvida que houvesse sido feita pela filha, e disse à mulher:
— Amanhã matarei Miudinho, antes que ele
queira casar com minha filha.
Clandira ouviu a conversa. Foi ao quarto de
Miudinho, fê-lo levantar-se; e, roubando da estrebaria um cavalo, que, de cada
passada, caminhava sete léguas, fugiu com ele.
Pela manhã, Ragarrão, dando por falta de
Miudinho e da filha, calçou as botas de sete léguas que haviam pertencido ao
célebre Pequeno Polegar, e saiu atrás dos fugitivos.
Quando os ia alcançando, Clandira
transformou-se num regato; Miudinho, num preto velho; o cavalo, numa árvore; o
selim em laranjas, e a espingarda que levavam, num beija-flor.
Ragarrão, chegando perto, perguntou ao negro:
— Você viu passar aqui um moço e uma moça,
montados a cavalo?
O africano riu-se estupidamente, e fez um
gesto, dando a entender que era surdo.
Ao mesmo tempo o beija-flor voou em direção
ao gigante, e quis furar-lhe os olhos.
Ragarrão, aborrecido, voltou para casa, e
narrou à mulher o que lhe havia sucedido.
— Ó palerma! bradou ela. Pois não sabes que o
negro era Miudinho; o regato, nossa filha; a árvore e as laranjas, o cavalo e o
selim; e o beija-flor, a espingarda. Volta de novo, e agarra-os.
Nesse entretanto, os fugitivos
desencantaram-se, e partiram a todo galope.
Ragarrão, porém, saiu-lhes outra vez ao
encalço; e ia encontrá-los, quando se transformaram – a moça, numa igreja;
Miudinho, em padre; o cavalo e o selim, no sino e no badalo; e a espingarda no
missal.
O gigante entrou na igreja, e interrogou o
cura:
— Vossa Reverendíssima não viu passar por
aqui um moço e uma moça montados a cavalo?
O padre, que estava dizendo missa, não
respondeu e começou a rezar.
Ao cabo de muito tempo, Ragarrão,
aborreceu-se, e retrocedeu.
— Oh tolo! disse a mulher, quando ouviu o que
de novo lhe sucedera. Volta para trás. O padre é Miudinho; a igreja, Clandira;
o sino e o badalo, o cavalo; e o missal, a espingarda.
O gigante voltou furioso, fazendo vinte
léguas por segundo. Avistou finalmente os fugitivos; mas, quando ia pegá-los,
Clandira atirou para trás um punhado de cinza.
Formou-se uma neblina muito densa, que
Ragarrão não pôde atravessar.
Voltou para casa, e desistiu da ideia de os
agarrar.
O príncipe D. Bias chegou, então ao seu
reino, e casou-se com Clandira, que se desencantou, deixando de ser da raça dos
gigantes, para vir a ser uma moça lindíssima.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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