quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

O Miudinho (Histórias da avozinha), de Figueiredo Pimentel

 

O MIUDINHO

Em companhia de vários fidalgos, D. Bias, poderoso príncipe, herdeiro do importante reino de Avalão, foi uma vez à caça embrenhando-se numa imensa e intrincada floresta, que havia às portas da cidade. Não conhecendo o caminho, sua alteza, tendo-se afastado de sua comitiva, perdeu-se no mato, e não houve meio de poder dali sair.

Depois de andar léguas e léguas, chegou, extenuado, a uma caverna aberta numa grande montanha. Residia aí uma família de gigantes, composta de pai, mãe e filha.

O gigante, que se chamava Ragarrão, estava fazendo lenha para o jantar. Arrancava facilmente com uma só mão, velhas árvores, que nem vinte juntas de bois poderiam sequer balançar.

Ragarrão, avistando o príncipe, que lhe pareceu um anãozinho, comparado com ele, por não lhe chegar nem até os joelhos, exclamou:

— Oh! que homem tão miudinho! Que queres aqui, anão?

O príncipe contou-lhe a sua história; e Ragarrão disse:

— Bem, visto isso, ficarás aqui, como meu criado. E ficou chamando D. Bias de Miudinho.

Passado algum tempo, a filha do gigante, Clandira, apaixonou-se por D. Bias, e D. Bias por ela.

Ragarrão, desconfiando da coisa, chamou o príncipe, e disse-lhe:

— Contaram-me que tu te gabavas de ser capaz de edificar, em uma só noite, um palácio para mim e minha filha. Se tal não fizeres, amanhã, pela manhã, matar-te-ei.

O príncipe ficou desesperado; e chorava amargamente quando apareceu Clandira, que lhe falou:

— Não te desesperes, meu querido príncipe. Amanhã, pela manhã, o palácio estará feito.

Assim foi, porque Clandira era encantada.

Quando Ragarrão viu aquela obra, não pôs dúvida que houvesse sido feita pela filha, e disse à mulher:

— Amanhã matarei Miudinho, antes que ele queira casar com minha filha.

Clandira ouviu a conversa. Foi ao quarto de Miudinho, fê-lo levantar-se; e, roubando da estrebaria um cavalo, que, de cada passada, caminhava sete léguas, fugiu com ele.

Pela manhã, Ragarrão, dando por falta de Miudinho e da filha, calçou as botas de sete léguas que haviam pertencido ao célebre Pequeno Polegar, e saiu atrás dos fugitivos.

Quando os ia alcançando, Clandira transformou-se num regato; Miudinho, num preto velho; o cavalo, numa árvore; o selim em laranjas, e a espingarda que levavam, num beija-flor.

Ragarrão, chegando perto, perguntou ao negro:

— Você viu passar aqui um moço e uma moça, montados a cavalo?

O africano riu-se estupidamente, e fez um gesto, dando a entender que era surdo.

Ao mesmo tempo o beija-flor voou em direção ao gigante, e quis furar-lhe os olhos.

Ragarrão, aborrecido, voltou para casa, e narrou à mulher o que lhe havia sucedido.

— Ó palerma! bradou ela. Pois não sabes que o negro era Miudinho; o regato, nossa filha; a árvore e as laranjas, o cavalo e o selim; e o beija-flor, a espingarda. Volta de novo, e agarra-os.

Nesse entretanto, os fugitivos desencantaram-se, e partiram a todo galope.

Ragarrão, porém, saiu-lhes outra vez ao encalço; e ia encontrá-los, quando se transformaram – a moça, numa igreja; Miudinho, em padre; o cavalo e o selim, no sino e no badalo; e a espingarda no missal.

O gigante entrou na igreja, e interrogou o cura:

— Vossa Reverendíssima não viu passar por aqui um moço e uma moça montados a cavalo?

O padre, que estava dizendo missa, não respondeu e começou a rezar.

Ao cabo de muito tempo, Ragarrão, aborreceu-se, e retrocedeu.

— Oh tolo! disse a mulher, quando ouviu o que de novo lhe sucedera. Volta para trás. O padre é Miudinho; a igreja, Clandira; o sino e o badalo, o cavalo; e o missal, a espingarda.

O gigante voltou furioso, fazendo vinte léguas por segundo. Avistou finalmente os fugitivos; mas, quando ia pegá-los, Clandira atirou para trás um punhado de cinza.

Formou-se uma neblina muito densa, que Ragarrão não pôde atravessar.

Voltou para casa, e desistiu da ideia de os agarrar.

O príncipe D. Bias chegou, então ao seu reino, e casou-se com Clandira, que se desencantou, deixando de ser da raça dos gigantes, para vir a ser uma moça lindíssima.

 

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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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