Houve em certo tempo um rei, que era sozinho
mais a rainha, e não tinha filho nenhum para bem de herdar a coroa. Desejaram
muito um filho, e nasceu-lhe uma menina. O rei tratou logo de ir ver ao livro
do signo qual seria a sorte da menina, e viu o seguinte:
— Que ao cabo de doze anos ela seria metida
numa torre sem porta, senão uma gateira por onde ela aceitasse o comer, e em
roda de sete anos a carne que lhe dessem para comer não havia de levar osso
nenhum.
Ao cabo de sete anos o rei seu pai foi convidado
para ir a um jantar fora, e deixou recomendado às suas aias que quando
mandassem o comer à princesa, que lhe não levassem carne com osso. Aconteceu
por desgraça o contrário. Andava por ali um duque, vestido em trajo de mulher
falando com ela pela gateira. Naquele dia em que lhe foi o jantar com o osso
ela tratou logo de fazer com ele um martelo, e esborralhou um lado da gateira
por onde pudesse caber, e quando veio o duque conversar, disse por estas
palavras:
— Minha sorte está acabada antes do tempo por
via do osso do jantar, e o meu intento é sair já daqui.
Aí vão eles fugidos; o duque passou um rio
que mais ninguém sabia passar, e estiveram por espaço de dois anos em uma
brenha de pedra muito seguros. Ali teve a princesa um menino, e como já tivesse
três anos, e como estivesse por batizar, foi preciso tornar a passar o rio,
para irem a uma ermida longe. Passou o duque o menino para a outra margem, e
quando vinha para buscar a mãe, prendeu-se num passo e desapareceu, ficando a
mãe de um lado e o filho do outro.
A princesa ficou chorando muito a sua
desgraça, porque não sabia o caminho.
Respondeu-lhe o menino:
— Não tome a mãe moléstia, que sou eu quem a
vou passar.
— Filho, vais pelo rio abaixo!
E dobrou ainda mais o choro. Mas o menino passou
o rio bem, e guiou a mãe, e lá foi a uma igreja onde pediu para ser batizado, e
quis o nome de José, Matador dos Bichos. Depois foram andando pela freguesia
abaixo, e chegando a uma casa com um postigo meio aberto, ele meteu o braço,
abriu a porta como se fosse sua, e entrou com a mãe. Não acharam ninguém; como
não achassem que comer, ele foi pedir, e aconteceu ser ao palácio do rei, onde
lhe deram muito. A mãe ficou admirada, e temendo que lá o conhecessem,
pediu-lhe para não tornar ali mais. Ele das esmolas arranjou com que comprar
uma espingarda, e começou a apanhar caça real que ia levar de presente ao
palácio. Indo um dia para a caça lá para uns matos feios, avistou umas fortes
casas e essas medonhas. Com o muito ânimo que tinha entrou e viu sete homens
deitados a dormir. Não teve ele mais que fazer senão pegar numa machadinha que
ali viu, e com ela foi picando os pescoços dos sete homens, cada um por sua
vez. Agora, cuidando que estava sozinho, corre todos os quartos, mas chegou a
um em que estava o quadrilheiro-mor, que era um gigante, que lhe perguntou:
— Que fazes por aqui, franguinho de vintém?
— Com eu ser franguinho de vintém talvez me
não tema de ti.
O gigante atira-lhe um pescoção, e o menino
agarrou-se-lhe às gadelhas e traçou-lhe o pescoço. Viu então muitas riquezas, e
correu a dar parte à mãe, para irem para lá viver; a mãe disse-lhe que fosse
dar parte ao rei. Ora o rei, pasmado da valentia do pequeno, perguntou:
— De quem és tu?
— Eu, senhor, sou filho de uma princesa, que
fugiu com um duque, de uma torre em que estava fechada.
E como ia contando o acontecido, o rei
interrompeu-o, dizendo:
— Pelo que percebo, então és meu neto. Onde
está tua mãe?
— Senhor, está numa pobre cabana de palha.
E mandou-a buscar, para ela vir para o
palácio, onde houve muitas festas. Ora o menino pediu ao avô para ir com uma
força às tais casas dos ladrões buscar aqueles grandes massames que lá
vira. Assim foi; e correndo todos os quartos ajuntou todos os empregos que ali
havia de ouro e prata tudo num monte, pegaram a carregar quanto puderam, e
mandou escangalhar as casas para não servirem mais de covil dos ladrões.
Por morte do avô foi o menino rei, e lá está
vivendo muito bem.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Ilha de São Miguel)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2021)
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