O
MACACO E O ALUÁ
Um macaco, uma vez quis fazer aluá, mas estando sem dinheiro para comprar milho...
Narizinho interrompeu-a:
— Que história de alua é essa?
— É uma petisqueira lá do Norte, que se faz de milho. Mas o macaco, que não tinha dinheiro para comprar milho, armou um plano. Foi à casa do galo, onde comprou um litro de milho para pagar em tal dia e tal hora. Foi à casa da raposa, onde comprou outro litro para pagar a tal dia e tal hora — e marcou uma hora, meia hora depois da hora marcada para o galo. Depois foi à casa do cachorro, onde comprou outro litro de milho para pagar meia hora depois da hora marcada para o pagamento à raposa. E na casa da onça comprou outro litro de milho para pagar meia hora depois da hora marcada para o pagamento ao cachorro.
E muito contente da vida com os quatro litros de milho arranjados a crédito, o nosso macaquinho foi para casa fazer uma porção de alua, que guardou num pote. Depois armou um jirau bem alto e deitou-se em cima, de cabeça amarrada com um pano, como quem está com dor de dente.
Na hora do primeiro pagamento apareceu o galo.
— Então, que é isso macaco? Doente assim?
— Estou que não posso comigo de tanta dor de dente — respondeu o macaco. — Abanque-se e sirva-se do alua aí do pote.
O galo sentou-se e começou a servir-se do alua. Nisto apareceu lá no terreiro a raposa, que vinha cobrar o litro de milho vendido. O galo ficou com a crista branca de medo.
— Não se assuste, compadre — disse o macaco. — Esconda-se ali no cantinho.
O galo foi e escondeu-se. Entra a raposa. O macaco, depois de contar a sua doença, manda a raposa servir-se de alua.
— Coma, coma, comadre, que está ótimo. O
compadre galo já se regalou.
— Quê? — exclamou a raposa. — O galo andou por aqui?
— Ali está ele! — disse o macaco, apontando para o cantinho onde o pobre galo se escondera.
E a raposa foi e comeu o galo. Nisto apontou no terreiro o cachorro. A raposa tremendo de medo, escondeu-se num canto. O cachorro entrou, muito amável.
— Pois é — disse o macaco — estou tão doente que nem posso descer da cama. Mas vá se servindo de alua, compadre cachorro. Está muito bom. A raposa comeu de lamber os beiços.
— Quê? A raposa esteve aqui?
— Não esteve, está! — respondeu o macaco, e apontou para o canto onde a pobre raposa se escondera.
E o cachorro foi e comeu a raposa. Nisto apontou a onça no terreiro. Entrou. Soube da doença do macaco, e também, a convite dele, se serviu do alua.
— Coma, comadre. O cachorro disse que está da pontinha.
— Quê? Esteve o cachorro por aqui? O macaco piscou, apontando o cantinho onde estava escondido o pobre cachorro e a onça foi e comeu o cachorro.
— Bem, macaco — disse ela depois da festança. — Vamos agora ajustar nossas contas. Quero receber o dinheiro do meu milho.
— É boa! — exclamou o macaco. — Pois então a comadre entra aqui, serve-se do meu alua, come um cachorro que tinha comido uma raposa que tinha comido um galo, e ainda tem coragem de querer receber o dinheiro dum litro de milho cheio de caruncho?
A onça, furiosa, deu um pulo para pegar o macaco; mas este saltou do jirau para cima duma árvore e ficou a rir-se da lograda.
— Deixe estar, macaco, que você me paga! — rosnou ela, e lá se foi ruminando a vingança. Chamou as outras onças e combinou que ficariam tomando conta do riozinho que havia ali, de maneira que o macaco não pudesse beber.
O macaco ficou atrapalhadíssimo. A sede veio, e sede é coisa que nenhum animal aguenta. Como fazer? Nisto viu uma cabaça de mel. Teve uma lembrança. Lambuzou-se de mel e rolou sobre um monte de folhas secas ficando transformado no Bicho-Folhagem, que ninguém sabia o que era. E lá se foi para o riozinho, beber água.
Bebeu, bebeu à vontade, bem na vista das onças, que olhavam para aquilo com rugas na testa. Depois de bem saciada a sede, sacudiu-se das folhas e dum pulo alcançou um galho de árvore, gritando para as onças desapontadíssimas: "Piticau! Piticau!..."
— Deixa estar que você me paga! — disse a onça, e pôs-se a imaginar outro meio de pegar o macaco. Abriu um grande buraco, entrou dentro e deitou-se de costas, ficando com a boca arreganhada, como armadilha; e pediu às outras que a cobrissem de folhas secas para que o macaco não desconfiasse.
O macaco veio vindo. Mas ao ver aqueles dentes arreganhados no meio das folhas secas, desconfiou.
— Chão com dentes? Está aqui uma coisa que nunca imaginei. Mas dente de chão há de gostar de comer pedra — e, zás! jogou uma grande pedra dentro da boca da onça.
A onça morreu engasgada e o macaco lá se foi,
muito satisfeito da vida.
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Ano de
publicação: 1922.
Pesquisa
e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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