O LAVRADOR, SEU FILHO E O BURRO
Querendo vender seu burrico, um lavrador levava-o à feira, e para
ter com quem pelo caminho palestrasse, fez-se acompanhar por seu filho, mocetão
de uns quinze anos. Querendo que o burro chegasse descansado, para agradar aos
compradores, os dois campônios iam a pé puxando-o pelo cabresto. Onde se viu
isto! disseram alguns almocreves vendo-os passar. O burro todo lépido, tendo
tão belo costado; e dois marmanjos a pé, palmilhando a estrada: será penitência
que fazem, ou promessa que cumprem? O lavrador não deixou de achar-lhes razão e
disse: “Filho, está me parecendo que esses tratantes não lembram mal; é
parvoíce ir eu, já velhusco e cansado, andando a pé, enquanto o burro vai
folgado como um fidalgo. Eu monto pois, e tu vai tocando.”
Dito e feito, o lavrador se escarrapacha em cima do burrico.
Sucedeu passarem duas moças: “Que desaforo! disseram: um homenzarrão, forte e
valente, bem repimpado, e o pobre do menino a pé arfando para acompanhar o
burro!” O lavrador refletiu no caso, e reconhecendo que era injustiça deixar o
filho a pé, disse-lhe: “Monta aqui na garupa, rapaz; hás de estar cansado.” O
moço não esperou que segunda vez lho dissesse, e encarapitou-se atrás do pai.
Passaram então alguns lavradores: “Oh! lá!” disseram, “parece que
essa gente quer levar à feira, não um burro, porém a sua pele; como vão
repimpados, e o pobre animal nem já fôlego tem.” O lavrador pensou um pouco, e
disse: “Filho, eu vou apear-me, fica tu montado, e andemos de pressa”. Assim se
fez.
Caminharam algum tempo, e julgava o lavrador que tudo iria bem
quando encontraram um mercador, e este, achando feio que o moço fosse montado e
o velho a pé, perguntou: “Então, meu principezinho, onde viu Vossa Alteza que,
para fazer jornada, é conveniente trazer lacaios da idade desse que o
acompanha?” — Lacaio, eu! disse o pai, não, não podemos dar ocasião a tais
afrontas; filho, apeia-te, carreguemos o burro às costas; é o que nos falta
experimentar, para ver se tapamos a boca do mundo. Assim fizeram; o burro andou
pela primeira vez montado, e não diz a história que com isso muito se
afligisse. Mal porém viram a súcia alguns rapazes desataram às gargalhadas.
“Qual dos três é mais burro?” perguntaram. “Sou eu, senhores”, respondeu o
lavrador, “eu que por todo o caminho levei a ouvir os remoques de cada um, e a
obedecer-lhes; eu que juro daqui por diante proceder como entender, sem dar
ouvidos aos ralhos dos outros, e às suas observações.”
MORAL DA HISTÓRIA: Em tudo e por tudo consulta a tua consciência e obedece-lhe; se quiseres tapar a boca do mundo nunca o hás de conseguir.
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Ano de
publicação: 1852.
Origem:
Brasil (imitadas de Esopo e La Fontaine)
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