Era uma vez um casal muito amigo, marido e mulher,
já velhos mas ainda fortes e desembaraçados, que vivia numa aldeia da serra.
Tinham uma só filha, que casara e fora viver para o
campo. Quando teve um menino e lhes deu a boa nova, mandou-lhes também a filha
pedir que fossem ver o netinho no próprio dia em que ele se tornava cristão,
assistindo ao batizado.
O marido não podia, de todo em todo, afastar-se do
seu trabalho naquele dia. E então a mulher disse que também ela não iria,
porque muito medo tinha aos lobos. Mas a filha teimou que ao menos fosse a Mãe
e, podendo mais o amor de que todo o seu medo, sempre se resolveu. O marido
recomendou-lhe muito que não se metesse a corta-mato e voltasse a casa antes do
cair da noite. E, confiando no seu juízo, lá a deixou partir.
Pôs-se a mulher a caminho, e já ia longe quando
encontrou um lobo que lhe disse:
— Ai velha, que te como!
— Não comas (respondeu ela), que logo te trago um
bolinho do batizado.
E o lobo deixou-a seguir.
Mais adiante encontrou uma raposa, que lhe disse:
— Ai velha, que te como!
— Não comas, que logo te trago um bolinho do
batizado.
E também a raposa a deixou seguir. Quando chegou ao
monte onde a filha vivia, disse a velhinha, mal refeita do susto:
— Ai que apoquentada venho! Estou mais morta do que
viva! Encontrei no caminho um lobo e uma raposa que queriam comer-me. Salvei-me
prometendo levar-lhes bolos do batizado.
A filha pensou lá para consigo que a Mãe vira
apenas o medo, e agora estava a rir-se dele. Mas teve respeito e apenas disse:
— Deixe estar que tudo se arranjará. Assiste ao
batizado, janta descansada, e sai daqui ainda com horas de sol. E leva os bolos
que quiser, para o Pai, ou para os lobos e raposas do caminho.
Fez-se o batizado com grande festa, jantaram,
demoraram-se a conversar e a ver o menino, e já era tarde quando a velhinha se
quis ir embora.
A filha e o genro pediram-lhe que ficasse para o
dia seguinte, mas não conseguiram convencê-la, pois de modo algum queria deixar
o seu velho em cuidados.
— Então vai alguém acompanhá-la (disseram os
filhos).
— Também não quero (respondeu a velhinha, toda
animosa). Deem-me, antes, uma cabaça, para eu, lá para a serra, me meter dentro
dela. Assim irei sossegada, porque nem raposas nem lobos me podem conhecer.
Os filhos acharam-lhe graça e, convencidos também
de que tudo aquilo era imaginar medos e formas de os enganar, deram-lhe uma
grande cabaça, e despediram-se da velhinha, com muito sossego e alegria.
Pôs-se a mulher a caminho, e assim que se viu
sozinha e já tarde, no meio da serra, enfiou-se na cabaça, e continuou a andar,
mais afoita.
Lá para diante encontrou a raposa que lhe
perguntou:
— Cabacinha, encontraste por aí uma velhinha?
— Nem velhinha nem velhão.
Corre, corre, cabacinha
Corre, corre, cabação.
E só deixou de correr quando estava já longe da
raposa. Continuou a andar, e mais adiante encontrou o lobo que lhe perguntou:
— Cabacinha, encontraste por aí uma velhinha?
— Nem velhinha, nem velhão.
Corre, corre, cabacinha
Corre, corre, cabação.
E desatou a correr, para se afastar do lobo. Mas
não viu uma grande pedra que estava no meio do caminho. Caiu sobre ela e a
cabaça partiu-se.
O lobo, que estava de longe a olhar, veio a correr,
sôfrego e cheio de raiva, abriu a bocarra e engoliu a velhinha.
Passou o dia, veio a noite, e o velho, que voltara
a casa depois do trabalho feito, começou a apoquentar-se.
Andavam devagar as horas da noite, e a velhinha sem
aparecer, e o marido cada vez mais aflito.
Parece que adivinhava. Armou-se com o seu machado e
faca de mato e, ainda antes do alvor, já ele seguia à procura da mulher.
Ao romper do sol, quando atravessava um pinhal, viu
o lobo, tão empanzinado que nem podia correr, a esgueirar-se para uns penedos.
Foi-se a ele, com toda a coragem, e matou-o. E depois, porque a esperança de
salvar a mulher nunca o abandonara, abriu a barriga do lobo, com todo o
cuidado.
Qual não foi a sua alegria quando viu a velhinha
sair, muito contente, da barriga do lobo!
Abraçaram-se, felizes, e foram para casa, jurando
nunca mais fazerem qualquer jornada um sem o outro.
E, lembrando embora o perigo e aflições que tinham
passado, viveram sossegados e satisfeitos o resto dos seus dias.
---
Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
Nenhum comentário:
Postar um comentário