Um pobre jornaleiro tinha um compadre que era
o diabo, mas ele não o sabia; veio ele e disse-lhe:
— Tu és tão pobre! sabes que mais? lembra-me
de te dar um grande campo para o trabalhares de meias comigo, com a condição
que o que crescer para debaixo da terra há de ser para mim, e o que crescer
para cima da terra há de ser para ti.
O jornaleiro aceitou o contrato, e foi
trabalhar o campo e semeou-o de trigo. Nasceu muito trigo, que ele colheu no
seu tempo, e disse ao compadre que fosse apanhar o que tinha crescido para
debaixo da terra. O diabo só achou as raízes, e conheceu que tinha sido
enganado pelo compadre. E disse:
— Já me não serve o nosso contrato, e se
queres continuar há de ser às avessas: o que crescer para cima da terra há de
ser para mim, e o que crescer para baixo é que há de ser para ti.
O lavrador aceitou a condição e semeou o
campo todo de batatas; deu uma novidade que era um regalo. Disse ao compadre
que fosse apanhar o que tinha crescido para cima da terra, que era a rama da
batata, e ele tirou muitos e muitos alqueires de batatas, com que fez muito
dinheiro. O diabo viu que perdia sempre no jogo, e quis-se vingar do compadre:
— Ah velhaco, que me enganaste; mas eu é que
te não deixo ficar assim; havemos de bater-nos e há de ser às unhadas, que ao
menos desta vez hei de ficar de melhor partido.
O lavrador bem sabia que o diabo tinha umas
garras temíveis, mas como não podia escolher as armas já dava ao diabo a
cardada, e foi ter com a mulher, sem saber como se veria livre daquela alhada.
Vai a mulher e diz-lhe:
— Deixa-o vir para cá, que eu o arranjo. No
dia em que te vier procurar para brigar contigo, esconde-te, que eu é que vou
falar com ele.
Chegado o dia, vem o diabo muito furioso e
bate à porta do compadre:
— Aqui estou para irmos brigar.
Vem a mulher e diz:
— Entre para aqui compadre, e espere pelo meu
homem, que foi amolar as unhas; olhe que ele sempre dá cada unhada! Aqui está a
primeira que ele me deu…
O diabo tal coisa viu, que botou a fugir com
medo de ficar cheio daquelas arranhaduras, e nunca mais voltou lá.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Ilha de São Miguel)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes
(2021)
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