sábado, 4 de dezembro de 2021

O compadre Diabo (Conto popular português), de Teófilo Braga

 

O COMPADRE DIABO
 

Um pobre jornaleiro tinha um compadre que era o diabo, mas ele não o sabia; veio ele e disse-lhe:

— Tu és tão pobre! sabes que mais? lembra-me de te dar um grande campo para o trabalhares de meias comigo, com a condição que o que crescer para debaixo da terra há de ser para mim, e o que crescer para cima da terra há de ser para ti.

O jornaleiro aceitou o contrato, e foi trabalhar o campo e semeou-o de trigo. Nasceu muito trigo, que ele colheu no seu tempo, e disse ao compadre que fosse apanhar o que tinha crescido para debaixo da terra. O diabo só achou as raízes, e conheceu que tinha sido enganado pelo compadre. E disse:

— Já me não serve o nosso contrato, e se queres continuar há de ser às avessas: o que crescer para cima da terra há de ser para mim, e o que crescer para baixo é que há de ser para ti.

O lavrador aceitou a condição e semeou o campo todo de batatas; deu uma novidade que era um regalo. Disse ao compadre que fosse apanhar o que tinha crescido para cima da terra, que era a rama da batata, e ele tirou muitos e muitos alqueires de batatas, com que fez muito dinheiro. O diabo viu que perdia sempre no jogo, e quis-se vingar do compadre:

— Ah velhaco, que me enganaste; mas eu é que te não deixo ficar assim; havemos de bater-nos e há de ser às unhadas, que ao menos desta vez hei de ficar de melhor partido.

O lavrador bem sabia que o diabo tinha umas garras temíveis, mas como não podia escolher as armas já dava ao diabo a cardada, e foi ter com a mulher, sem saber como se veria livre daquela alhada. Vai a mulher e diz-lhe:

— Deixa-o vir para cá, que eu o arranjo. No dia em que te vier procurar para brigar contigo, esconde-te, que eu é que vou falar com ele.

Chegado o dia, vem o diabo muito furioso e bate à porta do compadre:

— Aqui estou para irmos brigar.

Vem a mulher e diz:

— Entre para aqui compadre, e espere pelo meu homem, que foi amolar as unhas; olhe que ele sempre dá cada unhada! Aqui está a primeira que ele me deu…

O diabo tal coisa viu, que botou a fugir com medo de ficar cheio daquelas arranhaduras, e nunca mais voltou lá.

 

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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Ilha de São Miguel)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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