Havia um rei que tinha uma filha já crescida,
que gostava muito de se lavar no balcão, e pedia à aia que levasse a bacia e
outros preparos e uma bandeja para pôr os anéis. Vinha um coelhinho branco,
furtava-lhe os anéis e fugia; a princesa gostava de ver aquilo, não dizia nada,
ia ao cofre e metia outros nos dedos. Continuou o coelhinho a furtar, até que a
princesa ficou sem nenhum anel. Antes tinha tão grande abundância, que ela
ficou muito triste e melancólica; o rei teve muita pena com isto, e até mandou
por um edital para virem todas as pessoas antigas para contarem contos e
histórias para alegrarem a princesa. Vieram muitas pessoas, mas a princesa
estava no mesmo; até que vieram duas velhas sem saberem o que haviam de contar.
Pelo caminho encontraram um burro sem pés nem mãos, carregado de lenha; as
velhas foram em seguimento do burro, viram-no chegar a umas casas, descarregar
a lenha, e acarretá-la para dentro. Elas então subiram e no patim em cima viram
umas púcaras a ferver; uma das velhas meteu o dedo e provou, e neste tempo
ouviu uma voz a dizer-lhe:
— Não proves, que não é para ti.
E a velha olhou pelo buraco da chave e viu um
coelho, que tirou a pele, e tornou-se em um príncipe, e disse:
— Quem me dera ver a dona dos anéis que tenho
aqui.
As velhas partiram para o palácio, e lá contaram o que tinham visto à princesa. Isto, já se sabe, alegrou logo a princesa, e disse ao rei que queria ver aquilo. Foram todos, velhas, princesa e rei. Viram o burro fazer o mesmo, e foram à dita casa. A princesa meteu o dedo e provou; neste ponto ouviu dizer:
— Prova, que é para ti.
Ela foi vigiar (espreitar), e as portas
abriram-se, e o coelho disse:
— Quem me dera ver a dona dos anéis que tenho
aqui!
A princesa respondeu:
— A dona sou eu.
O coelho tornou-se príncipe, porque aquelas
palavras lhe quebraram o encantamento, e casaram, foram muito felizes, e as
duas velhas ficaram damas de honra do paço.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Ilha de São
Miguel—Açores)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2021)
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