O pio
da coruja é um sinistro agouro, crê muita gente. Os fatos às vezes justificam
essa superstição popular.
Estava
nessa condição o que passamos a relatar.
***
Sebastião
Nolasco era médico ilustre. Além disso possuía variado conhecimento e tinha uma
bela prosa. Assim, era com o maior prazer que eu me sujeitava a parceirar
consigo.
Uma
noite estávamos os três empenhados no jogo. Se distribuíram cartas, e logo que
o doutor abriu as suas na mão esquerda, lhes dando a forma de leque, notei que
os olhos despediram um lampejo vivíssimo e a fisionomia se tornou radiante.
Doutor
Sebastião jogava de mão. Assim, logo que verificou bem as cartas, exclamou com
ar de triunfo:
— Bolo
natural em ouro!
Como
sabem todos que conhecem o solo, um bolo natural em ouro é a maior dita que
pode ter o jogador. E doutor Sebastião, muito satisfeito, deporia as cartas na
mesa, quando bem sobre o telhado da casa piou uma coruja, soltando a risada
medonha, seguida dum ruído semelhante ao que se faz ao rasgar um pano novo.
Imediatamente
doutor Sebastião ficou pálido como um defunto.
—
Sentes algo?, doutor.
— Pois
não ouviram? — Perguntou, quase sem fala.
— O
quê?
— A
coruja.
— Á!
Sim! Ouvi distintamente. Mas o que tem isso?, doutor.
— Á!,
meu amigo. Não joguemos mais hoje. O pio dessa coruja me abalou de modo
estranho todos meus nervos e músculos. E eu, que não sou supersticioso, não sei
por que motivo como o que vi na terrível risada de tão feia ave um aviso de
grande desgraça que pesa sobre mim. É uma coisa incrível o que estou sentindo.
Eu, que nunca acreditei em agouro! Boa noite, meu amigo, guardemos o final da
partida na manhã.
E
dizendo isso doutor Sebastião se recolheu ao interior da casa, visivelmente
impressionado. Eu, me despedindo de dona Sebastiana, tomei o chapéu e me
retirei.
Meus
negócios particulares me obrigaram a me retirar da cidade logo no dia seguinte
ao que teve lugar essa cena, que, seja dito de passagem, só me causou emoção
muito leve. Já decorreram quinze dias que deixara aquele lugar, quando numa
tarde o estafeta me entregou uma carta vinda via correio e tarjada de preto.
Estremeci
e abri a carta cheio de apreensão. Estava assinada pela veneranda dona
Sebastiana e me comunicava a morte do marido, o excelente doutor Sebastião
Nolasco, meu bom parceiro no solo.
Disse
dona Sebastiana na carta:
Desde
o momento que aquela maldita coruja soltou a infernal risada, isto quando meu
marido fazia o bolo natural em ouro, não teve mais um momento de tranquilidade,
e a todo o instante me dizia que a triste ave rasgara o metim de sua mortalha.
Debalde procurava o distrair de tão fúnebre ideia. Não pensava noutra coisa, e
no fim de três dias caiu de cama com febre violenta, que sempre aumentando lhe
trouxe a morte dali a outros três dias. É notável que a maldita coruja que lhe
pedisse esse fatal acontecimento, na noite em que meu bom marido morreu, veio
outra vez se empoleirar na cumeeira de nossa casa e gelou a todos de horror com
sua sinistra risada.
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Ano de publicação: 1925.
Origem: Brasil (Nordeste)
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