sábado, 4 de dezembro de 2021

O cágado na festa do céu (Fábula), de Monteiro Lobato

 

O CÁGADO NA FESTA DO CÉU
 

Certa vez houve uma grande festa no céu, para a qual foram convidados os bichos da floresta. Todos se encaminharam para lá, e o cágado também — mas este era vagaroso demais, de modo que andava, andava e não chegava nunca.

A festa era só de três dias e o cágado nada de chegar. Desanimado, pediu a uma garça que o conduzisse às costas. A garça respondeu: "Pois não", e o cágado montou.

A garça foi subindo, subindo, subindo; de vez em quando perguntava ao cágado se estava vendo a terra.

— Estou, sim, mas lá longe. A garça subia mais e mais.

— E agora?

— Agora já não vejo o menor sinalzinho da terra.

A garça, então, que era uma perversa, fez uma reviravolta no ar, desmontando o cágado. Coitado! Começou a cair com velocidade cada vez maior. E enquanto caía, murmurava: 

Se eu desta escapar,
léu, léu, léu,
se eu desta escapar,
nunca mais ao céu
me deixarei levar. 

Nisto avistou lá embaixo a terra. Gritou:

— Arredai-vos, pedras e paus, senão eu vos esmagarei! As pedras e paus se afastaram e o cágado caiu. Mesmo assim arrebentou-se todo, em cem pedaços.

Deus, que estava vendo tudo, teve dó do coitado. Afinal de contas aquela desgraça tinha acontecido só porque ele teimou em comparecer à festa do céu. E Deus juntou outra vez os pedaços.

É por isso que o cágado tem a casca feita de pedacinhos emendados uns nos outros.

 

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Ano de publicação: 1922.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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