Estava uma boa e pobre mulher casada com um
homem tão mau que, sem razão nenhuma, lhe batia constantemente. Quando não via
coisa por onde pegar, inventava pretextos para se zangar e bater.
Certa manhã levantou-se e disse-lhe:
— Logo para a ceia quero um bolo refolhado.
— Não sei o que isso é.
— Ah, não sabe? É uma boa dona de casa, não
haja dúvida!... Pois se não sabe aprenda, e logo não deixe de cá o ter.
A pobre mulher, muito ralada, foi ter com uma
vizinha amiga que sabia muito bem de cozinha, para lhe perguntar como se fazia
o tal bolo refolhado.
— Isso há de ser bolo folhado. Foi o seu
homem que se enganou. Vá descansada, que logo faço um bolo folhado muito bom e
lá lho levo. Ele há de gostar e não terá ocasião de lhe bater.
À noite veio o marido e, como não viu o bolo
refolhado, gritou, ralhou e bateu na mulher, mas não deixou de comer e saborear
o que lhe fora apresentado.
Ao outro dia fez a mesma recomendação, e a
desgraçada voltou à vizinha, a contar o sucedido e a pedir-lhe nova receita.
— Olhe, vizinha, eu não sei o que o seu homem
quer dizer com o tal bolo refolhado. Arranje-lhe vossemecê uma galinha guisada,
talvez seja isso que ele quer. Se não for, que se explique melhor. Tantos
cozinhados tenho feito e nunca ninguém me perguntou por tal coisa.
— A vizinha fala bem (respondeu a outra,
magoada), mas o meu homem é tão mau que é capaz de me fazer alguma das suas.
À noite sucedeu a mesma coisa, o mau homem
comeu a galinha guisada, mas começou a berrar que não era aquela ceia que ele
queria, mas sim um bolo refolhado. E voltou a dar mais pancadaria na mulher.
Na manhã seguinte, nova recomendação. A pobre
mulher voltou, à vizinha, que lhe disse:
— Ó vizinha, sabe que mais? O seu homem está
a mangar consigo, e o que quer é bater-lhe, com razão ou sem ela. Vá vossemecê
buscar as calças, o chapéu e o capote dele, e venha cá ter comigo à tardinha,
que nós lhe curaremos a doença que tem e lhe daremos o bolo refolhado, com
bastante açúcar e canela.
Assim foi. À tardinha apareceu a mulher
infeliz, com as coisas pedidas.
A amiga arranjou também umas calças, um
capote e um chapéu do marido, e depois vestiram-se as duas com os fatos dos
seus homens, de maneira que ninguém era capaz de as reconhecer. Munidas de
grossos varapaus foram para o caminho por onde o mau homem havia de passar,
quando regressava sozinho a casa.
Mal chegou ao pé do sítio onde o esperavam
com os varapaus, diz a vizinha, disfarçando a voz:
— Bate-lhe, São Pedro!
— Porquê, São Paulo? (respondeu a outra).
— Porque pede à mulher o bolo refolhado.
E começaram a dar-lhe cacetadas, ora uma ora
outra, repetindo sempre as mesmas palavras:
— Bate-lhe, São Pedro!
— Porquê, São Paulo?
— Porque pede à mulher o bolo refolhado!...
E foram batendo, enquanto se não cansaram.
Depois safaram-se e despiram-se, sem que
ninguém soubesse do feito e deixaram-se ficar em casa à espera dos maridos.
O homem do bolo refolhado, moído como
farinha, chegou a casa e pediu mil perdões à mulher por ter sido mau e exigir
que lhe fizesse uma coisa que nem sabia o que era.
— Até São Pedro e São Paulo o tinham
castigado por tal crime, aparecendo-lhe, por grande milagre.
A mulher, fingindo-se muito admirada e
agradecida aos bons Santos Apóstolos, perdoou-lhe logo, mas recomendou-lhe
muito que não voltasse à mesma, pois com suas orações faria descer outra vez à
terra São Pedro e São Paulo.
Ora isso é que ele não queria, porque ficara
sabendo o que lhe custavam tais visitas, e prometeu não mais a agravar.
Daí por diante emendou-se, e viveram muito
bem.
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Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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