O
jovem Albino Seabra partira à nefasta campanha do Paraguai na qualidade de
sargento dum batalhão voluntário.
Sua
mãe, a velha dona Jacinta, viúva sexagenária, ficara inconsolável com aquela
partida, pois dos quatro filhos era o único varão.
Mas o
que fazer? A pátria exigia o sacrifício de seus mais esperançosos filhos. A
honra nacional ainda não fora desagravada dos insultos do tirano Lopes. Era,
por conseguinte, preciso seguir ao campo da luta cruenta, embora no lar
ficassem sangrando doces corações de mãe e de irmãs.
Foi o
que fez Albino Seabra. Assentou praça, envergou a blusa honrosa do soldado,
sobraçou a escopeta, e, feito sargento logo em seguida, buscou os extensos
banhados paraguaios.
Já o
exército brasileiro rompera o terrível quadrilátero onde Solano Lopes se
entrincheirava, e depois de conseguir a rendição da temerosa Humaitá, se
internou no coração do velho país das missões jesuítas.
Se
transpusera o Chaco, onde se praticara aquela importante entrada estratégica
que foi um padrão de glória prà engenharia militar brasileira. A esquadra
passara Angostura, e em 6 de dezembro de 1868 se feria o notável combate da
ponte de Itororó, em que o sargento Seabra conquistou os galões de alferes por
combater com inexcedível bravura ao lado de Fernandes Machado, que regou com o
sangue generoso o solo inimigo.
A
velha dona Jacinta exultou com a promoção do filho, mas nem por isso o pobre
coração se desanuviara das mágoas da ocasião da triste separação. A inditosa
senhora ainda não pudera se conformar com o pensamento de ter seu querido
Albino naquela terra tão distante, onde só se respirava a morte. Me que era seu
ai-jesus!, por ela guardado até
quando dormia, cercado de todos os cuidados da família, se ver assim, dum
momento a outro atirado à balbúrdia dos acampamentos, nos quais cada um trata
de si com egoísmo feroz! Noites e noites de vigília, frio, chuva, fome, febre,
e no fim de tudo isso muitas vezes a explosão duma granada a levar ao ar
aquelas carnes queridas geradas em suas entranhas e crescidas sob o orvalho de
seus carinhos! Tal pensamento agoniava a alma da pobre criatura.
Embora
as filhas se esforçassem pra consolar, demonstrando a facilidade com que o
homem se habitua à dureza da guerra e a probabilidade de sair o irmão ileso da
campanha. Embora lhe fizessem sentir a nobreza do seu procedimento e os prêmios
que lhe reservaria a pátria agradecida. Dona Jacinta sofria sempre. Já as cores
vivas da saúde fugiam do rosto onde as rugas se multiplicavam. Todo o corpo se
alquebrava ao peso do desgosto e a existência rolava de casa ao quartel-general
e à redação dos jornais, a fim de ter notícia dos combates, pra ver se figurava
o filho, ou antes, se não figurava, como seu coração pedia.
***
Todavia
foram passando os meses sem maior novidade. Nos fastos militares gloriosos pro
Brasil inscreveram mais as belas jornadas de Avaí e Lomas Valentinas. Solano
Lopez buscava as regiões serranas de seu país como último refúgio. O conde d'Eu
assumira o comando-em-chefe das tropas aliadas, e tudo prenunciava o fim da
terrível campanha.
Dona
Jacinta acompanhava com sofreguidão o desenrolar daquele drama sangrento
representado por quatro nacionalidades, andando pra ver cair o pano sobre a
última cena, fosse lá por que forma fosse, pois um coração de mãe é inacessível
ao interesse patriótico. A mãe dos Gracchos, e a de Deodoro da Fonseca, que
mandou sete filhos à campanha, são exceções ilustres.
Mas
passemos à narração do fato culminante desta pequena história.
***
— Sinhá!
O retrato de nhonhô Albino está jogado no chão.
Todos
se levantaram, como que erguidos por impulso elétrico. Perguntou dona Jacinta:
—
Como?! No chão?!
— Sim,
senhora. Fui varrer a sala e encontrei o quadro caído.
Correram
todos à sala. Lá estava efetivamente atirado no assoalho, e com o vidro
partido, o retrato de Albino Seabra.
Era um
trabalho a lápis feito por um amigo de Albino, estudante da academia de Belas
Artes, e ofertado a ele em dia de seus anos.
O
retrato estava solidamente preso à parede, estavam firmes os pregos e o cordel
era novo e resistente. Como se despregara?! As janelas da sala ainda estavam
fechadas, e assim permaneceram durante a noite. Não se podia, por conseguinte,
atribuir a queda ao vento. Dizer que fora a preta que, ao o espanar, o fizera
cair, também não era admissível, pois se pressentiria o baque.
Demais,
os cordéis que o sustentavam não se arrebentaram e os pregos estavam no mesmo
lugar.
Em
suma, a queda do retrato era simplesmente inexplicável, e dona Jacinta se
cobriu de tristeza e de sombrias apreensões com esse fato estranho. Perguntou
às filhas, entre lágrima e soluço:
— O
que sucedera a Albino no Paraguai?
***
Se
passaram alguns dias depois desse esquisito fato, quando chegou ao Rio de
Janeiro a notícia do combate de Peribebuí, alcançado pelo conde d'Eu.
Fora
uma esplêndida vitória. O inimigo deixara no campo 1800 cadáveres ao passo que
apenas contávamos 56 mortos.
Dona
Jacinta correu logo ao quartel-general a fim de saber os nomes desse punhado de
bravos que se imolaram, pois o único de cuja morte já se conhecia era o ilustre
Mena Barreto.
Pobre
mãe! Aquele dia seria o mais negro de toda a sua vida! Na lista oficial dos
mortos, que lhe apresentara o ajudante-general estava o de seu estremecido
Albino.
Morrera
gloriosamente quando procedia à escalada das trincheiras de Peribebuí,
exatamente no dia em que seu retrato se despregara da parede da casa materna, e
se quebrara no chão.
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