Tão dócil, meigo e de melhor índole, ninguém
havia como o Carlito, e por isso toda a gente o estimava. Os próprios bichos
queriam-lhe muito, porque ele lhes não fazia mal algum, de modo que tinha
amigos em toda a parte.
Crescendo, ficando mocinho, Carlito nem por
isso perdeu as suas qualidades e o seu excelente coração.
Uma vez, estava ele à porta de casa, quando
viu passar um velhinho, tão velho e parecendo tão enfermo, que mal podia
caminhar. O rapaz saiu à rua, deu o braço ao velho, e trouxe-o para dentro,
servindo-lhe de jantar, até que, restabelecido, criou forças e pôde caminhar.
— Já que és tão bom moço, dou-te este anel de
condão. Com ele conseguirás tudo quanto quiserdes, bastando enfiá-lo no dedo, e
formular o desejo.
Carlito achou-se possuidor de tão precioso
objeto, vendo que nada mais tinha a recear, foi correr mundo.
***
Durante muitos anos viajou por terra e por
mar, em quase todos os países do mundo, chegando finalmente à Arábia.
Aí, passeando em uma das cidades, teve o
ensejo de ver Ercília, formosa filha de um importante chefe de tribo.
Loucamente apaixonado, foi pedi-la, em casamento.
O velho árabe naquela ocasião estava em
guerra com o rei de um país limítrofe. Declarou-lhe que só o aceitaria por
genro, se ele mostrasse grande valor no combate que iam travar.
Carlito pôs o anel no dedo, e preparou-se
para a luta. Armado apenas com uma espada, desprezando quaisquer outras armas,
empenhou-se na batalha.
Ao primeiro embate, a tribo árabe viu-o, com
espanto, abandonar as fileiras, e avançar sozinho de encontro ao exército
inimigo, duas vezes mais numeroso.
Nunca se viu tamanha bravura! Jamais houve
denodo assim! A cada golpe de sua espada, um combatente caía para jamais se
erguer! Por onde passava, ia deixando um claro aberto. Começou a dizimar o
inimigo, a tal ponto, que todos fugiram em debandada. Voltando para as fileiras
da tribo árabe, não tinha um arranhão sequer.
O rei inimigo, consultando os mágicos do
reino, no mesmo dia da derrota, soube que o poder estranho de Carlito lhe era
dado pelo anel encantado. Resolveu roubá-lo.
Sabendo quanto o moço era caritativo, mandou
um espião, disfarçado em mendigo, pedir-lhe esmola.
O falso pobre chegou à tenda, fingindo-se
doente, sem poder caminhar, e pediu hospedagem por uma noite. Carlito
concedeu-a de boa vontade.
Durante a noite, aproveitando-se do sono do
generoso mancebo, o fingido mendigo roubou-lhe o anel.
Ao despertar, o mocinho sentiu-se roubado.
Soaram as cornetas, e novo combates se
travou, tendo os árabes toda a confiança, lembrando-se do sucesso da véspera,
ignorando o que se passara.
Carlito a ninguém confiou o seu segredo. No
momento da peleja foi bravo, mas nada pôde fazer. As tropas inimigas, duas
vezes mais numerosas, em pouco tempo desbarataram a tribo.
O pai de Ercília, desesperado, expulsou
Carlito, não mandando matá-lo, por se recordar das incríveis façanhas do dia
anterior.
O jovem saiu do acampamento, muito triste,
por ter perdido as esperanças de desposar Ercília. Sentou-se à beira do
caminho, e chorava, quando lhe apareceu o rei dos Camundongos, que lhe disse:
— Não te desoles, Carlito. Vou mandar dois
dos meus vassalos buscar o anel que te furtaram, e amanhã pela manhã tê-lo-ás.
O chefe inimigo, desde que teve o anel em seu
poder, encerrou-o numa caixa de madeira muito forte, postando junto uma guarda
de vinte soldados para vigiá-lo. Ninguém podia se aproximar daí.
Os guardas, por mais atentos que estivessem,
não podiam ver dois camundonguinhos miudinhos, que começaram a roer a caixa.
Trabalharam sem cessar a noite inteira, sem
fazer ruído, até que roeram um pedaço de madeira por onde um deles entrou.
De posse do anel, foram levá-lo ao seu rei,
que por ser turno o entregou ao moço.
Carlito voltou ao campo árabe, e fez com que
o velho chefe empreendesse novo combate.
Como no primeiro dia, fez extraordinários
prodígios de bravura. Abriu caminho por entre as cerradas fileiras inimigas,
até que, encontrando-se com o rei, o matou. Estava terminada a guerra.
O chefe da tribo árabe, encantado com
Carlito, não demorou o seu casamento com Ercília.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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