O Sr. Aleixo Pitada era um homem honrado e
bom, estimado, por todos que o conheciam, e vivendo sozinho, num recanto, com
sua mulher e seus numerosos filhos.
O pobre velho trabalhava na roça todo o santo
dia, plantando legumes e tratando das frutas, e, aos domingos, vinha com o
tabuleiro de quitanda, à cidade, para vender a sua mercadoria.
A mulher, que se chamava Engrácia, fazia o
serviço da casa; ia ao mato cortar lenha, e à noite ainda ajudava o marido,
descascando o feijão e amarrando os molhos de vagens.
Apesar de trabalharem assim, tanto, passavam
mal, viviam na maior miséria, e nunca tinham dinheiro para comprar o que
precisavam, havendo até dias que nem tinham pão para os filhos.
— Olha, Engrácia; não podemos dar sustento a
nossos filhos, senão trabalhando mais que um boi de canga. Por conseguinte, se
viermos a ter mais algum, levá-lo-ei para a cidade, um domingo, quando for
vender quitanda, e dá-lo-ei a quem quiser aceitá-lo, mesmo ao diabo, se ele me
aparecer.
— Não digas isso, Aleixo, olha, que não será
mais uma boca que nos virá atrasar a vida.
— Já te disse, mulher; se nascer mais algum
filho, dá-lo-ei a quem quiser. Até ao diabo, repito.
Meses após tiveram outro filho; e, no domingo
seguinte, quando o homem foi levar a quitanda ao mercado, a mulher vestiu o
pequeno e entregou-o ao marido.
Assim que Pitada chegou à cidade, encontrou
na entrada da rua que ia dar ao mercado um cavalheiro bem vestido, perguntando
o que era aquilo no braço.
— É um filho que minha mulher teve há uma
semana, meu nobre senhor, e eu trouxe o pequerrucho para ver se alguém quererá
ficar com ele. Sou muito pobre, e não posso sustentar meus filhos. São tantos,
que resolvi dar os que vierem a nascer a quem os quiser.
— Pois eu aceito o menino, bom homem. Se tens
que o dar a outro, dá-mo, que cuidarei bem dele.
O pai entregou a criança, e depois de vender
toda a quitanda voltou para casa muito satisfeito por ter encontrado facilmente
um homem, tão distinto, de tão belas maneiras, que lhe pedisse o pequerrucho.
Chegando a casa, contou tudo à esposa, que
exclamou:
— Que Deus o proteja, e faça dele um bom
cristão!
***
O cavalheiro que tinha tomado o menino para
criar era o diabo, que ouvira toda a conversa do casal, e viera buscar a
criança.
O menino vivia muito contente no palácio de
seu protetor, onde nada lhe faltava, divertindo-se bastante, porque passeava e
brincava em todos os lugares.
Notava, porém, que seu padrinho (como, ele
chamava Satã), nunca lhe havia mostrado três quartos existentes no palácio, que
estavam sempre fechados, e nos quais nunca tinha entrado.
Mas, como o respeitava muito, jamais desejou
entrar naqueles aposentos, que tanto despertavam a sua curiosidade.
Uma vez o diabo, indo fazer uma viagem,
chamou o menino, que então já tinha quinze anos, e disse:
— Vou dar um passeio, e como me demoro alguns
dias, deixo contigo as minhas chaves. Podes correr o palácio todo à exceção
destes três quartos onde não deves entrar, o que te proíbo expressamente.
Demorou-se satã fora do palácio quase um mês;
e quando voltou pediu as chaves ao menino, que as entregou sem receio, pois
tinha cumprido fielmente ordens recebidas.
Passado tempo, fez segunda viagem e, antes de
partir, entregou ao afilhado chaves com a mesma recomendação.
Mas o rapaz, desta vez não pôde conter a sua
curiosidade, e supondo que o padrinho nunca viesse a sabê-lo, foi abrir os
quartos.
Descerrando a porta do primeiro, ficou
deslumbrado.
Era um quarto todo forrado de cobre,
transformado numa estrebaria, também de cobre, onde se via um cavalo castanho
muito lindo, e que corria muitíssimo.
Entrando no segundo aposento, mais adiantado
ficou: viu outro quarto todo de prata, e uma estrebaria também de prata, onde
comia um cavalo branco, mais bonito e mais veloz que o castanho, o primeiro.
Entrou no terceiro compartimento, e não pôde
conter um grito de surpresa.
Era todo ele de ouro, e também a estrebaria,
na qual estava comendo um cavalo preto mais bonito ainda que os anteriores, e
que não corria: voava.
Aqueles três cavalos eram encantados.
O castanho chamou-o, e disse-lhe que não
tinha tempo a perder, porque o diabo ia chegar da viagem; e, se o encontrasse
ali, era capaz de matá-lo.
O menino ficou com muito medo, mas o cavalo
recomendou:
— Vá à cozinha e embrulhe um pedaço de sabão
num papel, noutro alfinetes, ponha um pouco de água em um vidro e venha ter
comigo depressa. Mas não se demore, senão não respondo por sua vida.
O mocinho fez tudo aquilo, e quando voltou, o
animal tornou a falar:
— Agora entre no quarto de ouro, porque ao
sair estará dourado, e monte em mim, que quero salvá-lo.
O maldito, ao chegar, não encontrou o
afilhado.
Correu para os quartos e não vendo o cavalo
castanho, compreendeu que o menino fugira.
Montou no cavalo preto e, como havia vento,
voou, avistando-o horas depois.
Assim que o castanho se viu perseguido pelo
seu dono, que já estava perto, disse para o menino:
— Depressa, jogue o papel com sabão!...
Apareceu imediatamente um morro de sabão
muito alto, que o cavalo não podia subir, pois escorregava.
O diabo voltou para casa, aborrecido, mas de
repente lembrou-se que, se tivesse levado uma faca, bastaria para cortar o
sabão para poder passar.
Montou novamente e, quando já o ia
alcançando, o castanho disse:
— Depressa, jogue o vidro com água, senão
estamos mortos!...
Transformou-se o vidro em grande lagoa, e
satã, vendo tanta água, voltou com medo de se afogar.
Chegando à casa lembrou-se que com o poder
que tinha, podia fazer desaparecer a lagoa.
Tomou de novo o cavalo e voou em perseguição
do fugitivo, e quando lá chegou não encontrou mais lagoa alguma.
Foi voando, até que chegou a vê-los de novo.
O castanho, assim, que sentiu a aproximação
do diabo, disse:
— Atire os alfinetes, senão estamos
perdidos!...
O menino fez o que aconselhava o seu cavalo e
viu, formar-se atrás de si um espinheiro tão cerrado que ninguém podia passar.
O diabo, na fúria de pegar a criança, quis
romper à força o espinheiro, ficou preso, e de tanto se debater para sair,
morreu todo espetado.
***
Os outros dois cavalos foram ao encontro do
menino, e depois de andarem muito chegaram à capital do reino, onde governava
um rei poderosíssimo.
Este rei tinha uma filha chamada a princesa
Aurora.
Quando ela viu aquele moço dourado, ficou
apaixonada, e foi dizer ao pai que se casaria com ele, custasse o que custasse.
Sua Majestade recusou-se terminantemente,
porquanto o moço não era filho de rei, nem mesmo fidalgo.
E receando que Aurora ficasse ainda mais
apaixonada ordenou que os soldados formassem um grande quadrado, o colocassem
no centro e o fuzilassem.
A princesa, sabendo daquela ordem, pediu-lhe
que não fizesse aquilo, porque seria a morte do mancebo, que não poderia
escapar a tantas balas.
O soberano recusou-se, e as suas ordens foram
executadas fielmente.
O moço pediu, antes de entrar no quadrado,
que o deixassem morrer montado no seu cavalo:
Deu-se a voz de preparar... apontar... e
partiram os tiros.
Aurora, ouvindo aquele estampido, teve um
ataque e desmaiou.
Assim que a fumaça se dissipou, viu-se o moço
dourado montado no cavalo preto, voando, do outro lado do quadrado.
***
O monarca, em vista daquele caso
extraordinário, verdadeiro milagre, estupendo, inaudito, consentiu no enlace,
compreendendo que não tratava de uma pessoa vulgar.
Assim, pouco depois celebrou-se o casamento e
logo que o padre abençoou o casal, viram-se três pombos brancos voando pelo céu
em fora.
Eram os três cavalos que iam para o céu, já
que o moço dourado não precisava mais da proteção deles.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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