Havia uma mulher muito preguiçosa, que era
casada com um bom homem que a estimava muito, apesar do seu defeito.
Ralava-se e consumia-se para que a mulher
entrasse no bom caminho e trabalhasse, mas era escusado, nada conseguia.
E dizia-lhe:
— Ó mulher, tu não trabalhas, não fazes nada
e assim não vamos bem! Tudo roto e desmazelado, e nada queres fazer, mulher! Vê
as vizinhas como são cuidadosas e bem governadas, e por isso as suas casas dão
gosto lá entrar! Ao menos pega numa roca!
— Isso não, marido meu, que me faz a boca
torta.
— Mas vai coser, arruma a casa. O ponto é
trabalhares em qualquer coisa.
— Pois sim, homem, tens razão, hei de
trabalhar, mas hoje não pode ser, que é segunda-feira das almas e Deus Nosso
Senhor agradece muito que se guarde este dia.
Na manhã seguinte, tornou o homem a instar
porque trabalhasse, e ela:
— Sim, homem, hei de fazer alguma coisa, mas
não hoje que é o dia consagrado ao Santíssimo Sacramento. Desejo fazer a minha
reza.
No dia seguinte voltou o homem a dizer:
— Então, mulher, hoje é quarta-feira, podes
trabalhar.
— Eu, hoje?! Que dizes tu, marido? Logo hoje
que é o dia consagrado ao Espírito Santo? Outro dia será, deixa estar. Roma e
Pavia não se fizeram num dia.
— Mulher (tornou o pobre homem, na manhã
seguinte), então hoje não trabalhas?
— Logo em que dia me falas, homem de Deus!
Quinta-feira, o dia consagrado ao Coração de Jesus! Isso não! Tem paciência,
outra ocasião será.
— Então hoje não começas a trabalhar? Tu não
fias, tu não tens meadas para corar, e vem aí o Março Marçagão que se vinga bem
vingado das mulheres preguiçosas (dizia-lhe o marido).
— Ora! Se vier o Março Marçagão deito umas
esteiras a corar e ele cuida que são meadas. Além disso eu hei de trabalhar,
sim, mas não hoje que é sexta-feira, paixão e morte de Nosso Senhor Jesus
Cristo...
No sábado era dia consagrado a Nossa Senhora,
no Domingo dia santificado. E assim foi passando o tempo, e chegou Março.
Então lhe disse o marido:
— Mulher, chegou o Março Marçagão, e tu sem
meadas para lhe deitares a corar! Ele vai ficar furioso, e Deus sabe o que te
fará.
— Deixa, marido. Amanhã, que é o primeiro,
deito-lhe as esteiras que ali tenho.
— Ele não quer esteiras, quer meadas que as
boas donas de casa tenham fiado nos serões de inverno. Queira Deus não te
aconteça alguma!
Vai dali, arranjou um capote muito usado, pôs
um chapeirão na cabeça e umas barbas brancas, e pegando num cajado fingiu-se um
velho e dirigiu-se para onde a mulher estava com as esteiras. Com uma voz muito
grossa e disfarçada gritou-lhe:
— Então as meadas que tens para corar são
essas?
— Sim, senhor Março Marçagão (respondeu ela
transida de medo).
— Teu marido não te preveniu que eu quero
meadas e esteiras não?! Agora espera que eu te ensino!
Pegou no pau e deu-lhe uma grande sova.
Quando se fartou de a castigar, disse-lhe:
— Agora até para o ano!
E foi-se embora.
Quando o homem veio para casa encontrou a
mulher sentada à porta, com a roca à cinta, a fiar.
— Que é isso, mulher? Hoje é dia de festa e
estás a trabalhar?!
— Ai, marido da minha alma, é que chegou o
Março Marçagão Cora Meadas Esteiras não!
— E que te fez, mulher?
— Se o visses, marido! É um velho muito velho
que não tem dó de bater na gente!...
— Que te dizia eu?! Bem te preveni que não
era de brincadeiras!
Dali por diante foi uma perfeição! Mulher
laboriosa, até ali chegava. E nunca mais voltou o Março Marçagão sem que
tivesse boas meadas para corar.
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Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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