Andavam, um dia, dois Frades franciscanos a
pedir esmola, para obras na Igreja do seu Convento, que ameaçava ruína.
Batiam a todas as portas, e aceitavam tudo
que lhes davam, muito ou pouco, de pobres ou ricos. Assim foram andando até que
chegaram a uma grande casa, onde morava uma senhora viúva e muito rica. Como iam
cansados sentaram-se um bocado antes de se anunciarem. Nisto ouviram dentro uma
grande bulha, e perceberam que era a viúva ralhando com os criados por lhe
faltar uma sardinha. Fazia tal alarido e estava tão zangada que os dois Frades
olharam um para o outro sem saberem o que pensar. Dizia ela:
— Falta aqui uma sardinha! Vocês querem
fazer-me pobre? Estão todos apostados em darem cabo do que eu tenho!...
E por aqui fora, uma ladainha, que ninguém a podia aturar.
Os dois Frades voltaram-se um para o outro, e
o mais velho disse ao companheiro:
— Meu irmão, em vista do que estamos ouvindo,
parece-me que nada temos que fazer aqui!
— É verdade, irmão, pois quem faz tamanho
barulho por falta de uma sardinha, decerto nada nos dará para a nossa pobre
Igreja! No entanto, parece-me que é da nossa obrigação fazermos o pedido.
— Não, não! (respondeu o mais velho). Pela
esmola que nos negará semelhante avarenta, não vale a pena bater.
— Enfim... Eu estou por tudo. — Resolvido
isto, levantaram-se os Frades para seguirem a jornada, já decididos a pedir
nalguma pobre choupana albergue para a noite. Mas a viúva, chegando à janela,
viu-os, e chamou-os logo.
— Então que é isto, meus Irmãos?! Assim vos
ides embora sem bater à minha porta? Entrai, que sereis respeitados e agasalhados,
quanto merece o vosso santo hábito.
Os Frades, bastante admirados, voltaram
atrás, e entraram em casa da viúva. Ela mandou logo pôr a mesa e servir uma
bela ceia; depois mandou fazer as camas e, despedindo-os, disse-lhes que fossem
descansar, que no dia seguinte falariam. Os dois companheiros foram para o
quarto, muito bem arranjado, que lhes fora destinado, não sabendo que pensar do
que lhes acontecia.
No outro dia apareceu a viúva,
cumprimentou-os com toda a delicadeza, mandou servir um lauto almoço, e depois
perguntou:
— Então, meus Irmãos, qual é a causa da vossa
visita? Eu estou pronta a servi-los no que estiver na minha mão.
Os Frades olhavam um para o outro, e o mais
velho, com bastante acanhamento, respondeu:
— Nós andamos a pedir esmola para se
reconstruir a Igreja do nosso convento. A Ordem é muito pobre, e só por este
meio poderemos obter dinheiro para fazer obra tão dispendiosa.
— Muito bem, muito bem (disse a viúva).
É uma boa obra, que estou pronta a secundar.
Ora esperem os meus Irmãos que eu vou buscar alguma coisinha.
Foi dentro, e dali a instantes voltou com
trinta moedas em ouro, que apresentou aos franciscanos. Tão admirados eles
ficaram que nem se atreviam a pegar-lhes. Então perguntou a viúva:
— Que tendes, Irmãos, que não quereis o meu
dinheiro? Muito desejo saber a razão desse espanto e o motivo porque se iam
ontem embora, sem bater à minha porta. Os Frades, muito atrapalhados, não
queriam dizer; mas, como ela insistia, o mais novo sempre se resolveu a contar
que a tinham ouvido fazer tanto escarcéu por falta de uma sardinha, que nem se
atreviam a bater para fazer o seu pedido.
— Essa agora, meus Irmãos! Essa não é de quem
tem tanta sabedoria como vossas reverências! Se eu não poupasse uma sardinha
não poderia juntar este dinheiro que lhes dou com tão boa vontade. Ora vão,
meus Irmãos, vão à sua vida. E fiquem sabendo que, quem não arrecada o pouco,
não tem o muito.
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Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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