Havia um casal muito pobre, que tinha um
filho de nome João, bastante espertinho; mas apesar disso sua mãe, mulher de
beiço rachado e muito má, não gostava dele. João vivia só, sem ter com quem brincar.
Seu único amigo era uma cachorrinha que sua avó lhe dera — a Pita.
Quando ficou moço, João saiu um dia a passear
longe de casa. Pelo caminho encontrou um viajante com quem puxou prosa. Soube
que no reino das Três Princesas, que era perto, ia haver o casamento de uma das
moças. Para isso estava o rei dando uma festa de quinze dias, a fim de que os
pretendentes à mão da princesa lhe propusessem uma adivinhação. Se ela
adivinhasse, o pretendente ia para a forca; mas se não adivinhasse, então o
felizardo se casaria com ela. Nas forcas já estavam pendurados diversos
pretendentes que apareceram com adivinhações que a princesa adivinhou num
instantinho.
João ouviu tudo aquilo e ficou a pensar. Quem
sabe se ele venceria a princesa e se casaria com ela? Voltou para casa com um
plano na cabeça.
— Meu pai, quero sair pelo mundo para ganhar
a vida.
O pai consentiu, mas a mãe, que era a pior
bisca das redondezas, preparou-lhe uma peça: deu-lhe um pão envenenado,
imaginem! João arrumou a trouxa e partiu acompanhado da cachorrinha.
Mas onde era o caminho para o reino das Três
Princesas? Não sabia. Nem havia por ali ninguém que pudesse informá-lo. João
foi andando ao acaso, com a trouxinha ao ombro. Subiu uma montanha, desceu do
outro lado, numa campina, onde pousou.
No dia seguinte continuou a caminhar até onde
havia um grande rio. Ficou à margem olhando para a água. Viu um burro morto, de
barriga inchada, que vinha descendo rio abaixo. Em cima dele uma porção de
urubus. Botou reparo naquilo e continuou a viagem.
Quando caiu a tarde João sentou-se debaixo
duma figueira para jantar o pão que sua mãe lhe dera, mas qualquer coisa lhe
disse que o não comesse antes de fazer uma prova com a cachorrinha — e ele deu
a ela um pedaço do pão. Foi tiro e queda. Assim que a pobre Pita engoliu o
primeiro bocado, tremeu e morreu.
João ficou muito triste da maldade de sua
mãe, e também por ter perdido sua única amiguinha. Enterrou-a. Mas vieram três
urubus que a desenterraram e a comeram — e também morreram. Imaginem que veneno
forte a peste da mulher tinha inventado!
João botou às costas os urubus mortos e
seguiu caminho. Chegou a uma estalagem onde não havia ninguém. Entrou. Lá nos
fundos viu sete homens armados de espingardas, todos a morrerem de fome. Dando
com o novo hóspede que entrava com aquelas aves negras ao ombro, os famintos
avançaram e tomaram-lhe os urubus. Devoraram-nos — e morreram.
João escolheu a melhor das sete espingardas e
lá se foi pelo caminho afora. Saiu numa extensa campina onde se sentou debaixo
dum pé de árvore. Seu estômago dava torcidas medonhas, tanta era a fome. De
repente viu uma perdiz mexer-se no capim. Disparou um tiro. Errou. O chumbo foi
acertar numa rolinha que ele não tinha visto. Para quem erra perdiz, rolinha
serve.
João depenou a rolinha — mas não viu lenha
para fazer fogo. Olhou. Havia perto uma cruz muito velha. Foi lá, tirou umas
lascas, fez fogo, assou a rolinha e comeu-a. E água? Como obter água para matar
a sede?
Teve uma ideia. Montou num cavalo que andava
pastando por ali e o fez galopar até que suasse em bicas; recolheu o suor e
bebeu. E assim, matada a fome e a sede, pôde continuar a viagem.
Pouco adiante encontrou uma caveira em que um
enxame de maribondos havia feito colmeia. Viu também um burro amarrado a uma
árvore, a escarvar o chão com o pé. Indo investigar o que havia naquele chão,
encontrou uma botija de dinheiro. Pôs-se novamente a caminho e afinal avistou o
reino das Três Princesas. Tinha chegado.
Indagou das festas. "Tudo corre bem,
informou-lhe um sujeito, mas não aparece pretendente nenhum com adivinhação que
a princesa não adivinhe. As forcas estão engordando."
João dirigiu-se ao palácio, onde declarou ao
porteiro que era pretendente à mão da princesa adivinhadeira.
O porteiro mandou-o entrar, mas todos
riram-se daquele pobre diabo com cara de matuto, mal vestido, de trouxinha às
costas.
— Suma-se daqui, moço, se tem amor à vida.
Rapazes dos mais distintos já falharam, e estão neste momento com as línguas de
fora, nas forcas. Se é lá possível que um bobo como você consiga inventar uma
adivinhação que a melhor adivinhadeira do mundo não adivinhe! Suma-se, enquanto
é tempo.
João, porém, tanto insistiu que foi levado à
presença do rei.
— Sabes que arriscas a vida? — disse o rei.
João declarou que sim, mas que estava
disposto a tudo.
— Bem — exclamou o rei. — Nesse caso,
apresente a sua adivinhação — e chamou a princesa.
João foi e falou assim:
Sai de
casa com massa e pita;
a massa matou pita,
a pita matou três,
os três mataram sete
e das sete escolhi a melhor.
Atirei no que vi
e matei o que não vi.
Com madeira santa
assei e comi,
bebi água sem ser do céu;
Vi o morto carregando os vivos
e o burro sabendo
o que os homens não sabem.
Resolva agora, princesa,
ou me dê cá sua mãozinha.
A princesa pensou, pensou e não foi capaz de
adivinhar. Pediu-lhe que repetisse a história. João repetiu-a três vezes, e a
moça nada. Por fim, já com dor de cabeça, confessou ao rei:
— Impossível, meu pai. Esta eu não adivinho.
— Pois então abrace e beije o seu noivo —
respondeu o rei.
E mandou que preparassem o reino para o
grande casamento.
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Ano de
publicação: 1922.
Pesquisa
e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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