Qui-Qui-Ri — Qui-Co-có-ró-có!
Num terreno de grande chácara, pertencente a
opulento capitalista, viviam em profusão galos, galinhas, pintos, perus, patos,
marrecos, galinholas, pavões – todas as espécies de aves domésticas, numa
palavra. Vida regalada passavam eles alimentados à farta. A única exceção era
um pobre pintinho, que vivia muito triste. Por ser muito pequeno e magro, os
companheiros levavam todo o dia a beliscá-lo, de modo que o infeliz pintinho
andava sempre ferido e quase sem comer, por quanto as galinhas não lhe deixavam
um grãozinho de milho sequer.
Vivia o coitadinho muito triste de sua vida,
pensando em fugir de perto dos outros, devido aos maus-tratos que
constantemente recebia, quando, uma vez, mariscando, viu um papelzinho, e
disse:
“Bravo! Agora estou com a minha vida ganha!
Vou levar esta carta ao rei, e ele com certeza, em paga, há de mandar-me dar
milho bastante para eu comer durante a minha vida inteira.”
Ficou o pintinho tão satisfeito, pensando em
arranjar uma casinha para morar, onde pudesse passar os dias longe de terreiro,
livre das beliscadas de seus companheiros, que cantou pela primeira vez:
— Qui-Qui-Ri-Qui!
Os outros, ouvindo aquela voz desconhecida,
olharam e viram-no a cantar.
O galo velho, pastor do terreiro, perguntou:
— Quem é que canta aqui neste terreiro sem
minha ordem?
— Sou eu, disse o pintinho, porque achei uma
carta, e vou levá-la a el-rei nosso senhor.
Disse, e partiu em direção ao palácio real.
Depois de muito andar, parou para descansar
das fadigas de viagem. Estava beliscando a terra, pensando na fortuna que o rei
lhe havia de dar, quando passou uma raposa, que, avistando-o lhe dirigiu a palavra:
— Bons-dias, Sr. Pinto. Por aqui por estas
alturas? Onde vai tão cedo?
— Qui-Qui-Ri-Qui, retorquiu o pinto, vou
levar esta carta a el-rei nosso senhor.
— Se não é abuso, Sr. Pinto, pedia-lhe para
me levar em sua companhia. Desejava ver o palácio do rei. Dizem que é muito
bonito, que tem muitos soldados, e que a gente, só de o ver, se diverte.
— Não faço dúvida em levá-la, dona Raposa. Se
quiser, entre aqui no meu papinho, que a conduzirei até lá.
A raposa fez o que o pintinho mandou, e lá
seguiram os dois em demanda do palácio.
Andaram muito; e, depois de já bem cansados,
o pintinho encontrou um riacho. Desanimou de seguir viagem, por não poder
atravessar a nado um rio tão grande e com tanta correnteza.
Encarapitou-se em cima de uma pedra; e, muito
triste, pensava num meio de transpor o rio, quando este lhe falou:
— Olé, Sr. Pinto, por que se aflige tanto? Há
meia hora o estou vendo a olhar para mim, com cara tão triste. Diga-me o que
sente. Talvez lhe possa ser útil.
— É o caso, senhor Rio, que tenho de levar
esta carta a el-rei, nosso senhor, mas não posso, porque não tenho coragem de o
atravessar a nado.
— Não seja essa a dúvida, Sr. Pinto. Pô-lo-ei
na outra margem, sem risco de sua própria vida, mas com a condição de me levar
também em sua companhia.
— Pois bem, entre no meu papinho, e vamos ver
o rei, respondeu ele.
O rio entrou, e seguiram viagem os três; o
pintinho, a raposa e o rio.
Mais adiante encontraram um espinheiro.
— Onde vai, Sr. Pinto, com tanta pressa?
inquiriu este.
— Qui-Qui-Ri-Qui! Vou ao palácio do rei
levar-lhe esta carta, e não quero me demorar, porque pretendo lá chegar antes
da noite.
— Quer levar-me em sua companhia? Talvez eu
lhe seja útil.
O espinheiro entrou também, e seguiu com seus
companheiros para o palácio do rei.
Chegados aí, o pinto dirigiu-se à guarda do
palácio, dizendo que tinha uma carta para entregar a sua majestade real. A
sentinela não quis deixá-lo entrar. Ele, porém, tão alto falou, tanto cantou,
que o rei, ouvindo aquele barulho todo, chegou à janela, e perguntou porque
razão aquele pinto fazia tamanha algazarra.
— Saberá vossa real majestade que este pinto
quer por força entrar, para entregar uma mensagem, disse o soldado.
— Pois deixe-o entrar.
O rei recebeu o papelinho do bico do pinto, e
vendo que era um simples pedaço de papel sujo, ficou zangado com aquele
atrevimento, e mandou que seus vassalos o pusessem no poleiro, em meio das
galinhas e galos, que no palácio havia em grande quantidade.
Assim que ele entrou, os outros vendo um
hóspede novo, começaram a beliscá-lo.
Nisso gritou a raposa:
— Sr. Pinto, espere que vou defendê-lo. Ensinarei
a esses tratantes que não se maltrata assim uma ave tão distinta.
Saiu do papo do pintinho, e começou a comer
toda a criação que existia no poleiro.
Em seguida, saíram ambos a toda a pressa,
fugindo do cozinheiro que havia corrido a ver o que havia de extraordinário
ali, para que as galinhas tanto gritassem.
Quando entrou e não viu ave alguma, alguém
foi comunicar ao rei que o pintinho, que na véspera levara a carta, e que fora
metido no poleiro, em castigo do seu atrevimento, fugira, tendo matado as
galinhas.
O rei, exasperado mandou que um batalhão
fosse logo em procura do fugitivo, e que o trouxesse vivo ou morto.
Já estava o pinto muito longe, e fugia a bom
fugir, quando ouviu tropel de animais, retinir de espadas.
Compreendeu que era gente mandada pelo rei
para prendê-lo.
Soltou o rio do seu papinho, que,
estendendo-se pelo campo afora, impediu a marcha do batalhão.
Os soldados levaram muito tempo a arranjar
canoas que os conduzissem à outra margem.
Nesse intervalo, ia o pintinho ganhando
terreno. Corria sempre, para se livrar dos seus perseguidores.
O batalhão conseguiu, finalmente, transpor o
rio, e correu a toda a brida atrás do pinto.
Mestre Pinto, vendo-se assim quase alcançado
pelos seus perseguidores, deixou sair do papo o espinheiro, que formou
expressa, impenetrável cerca de espinhos, impedindo, assim, os soldados de
continuarem a empresa.
O galináceo, livre, finalmente de tantos
perigos voltou para o terreiro, mas teve vergonha e receio de entrar, com medo
das pancadas que viria a sofrer dos companheiros.
Começou a espreitar por trás, de uma cerca, e
não avistando nenhum dos antigos companheiros, atreveu-se a entrar.
Ficou maravilhado, vendo o bom trato que a nova
geração, assim que saía do poleiro, lhe dava.
Fizeram-lhe muitas festas, e ofereceram-lhe
casa, comida e o lugar do galo velho pastor de terreiro, que havia morrido dias
antes, porque nesse tempo, o pintinho era um frango bonito, preto, com penas
douradas nas asas.
Assim, ficou ele sendo o galo, dono do
terreiro, e viveu longos anos, muito feliz no meio dos seus iguais.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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