Era uma vez um homem que tinha um só filho e
o criara com todo o carinho, vivendo com ele na melhor harmonia e com
satisfação de ambos. Mas o filho, um dia, casou e trouxe a mulher para viverem
todos juntos em casa do pai.
Ao princípio tudo correu bem, porque o bom
homem trabalhava muito e ajudava o casal, mas os anos foram passando e o velho
alquebrara e caíra na doença, da muita idade e canseiras, e já não era ajuda e
sim pesada carga, com a qual a nora se sentia muito aborrecida.
Assim começou uma existência atormentada para
o pai, pois não se passava dia sem que a nora lhe lançasse em rosto o que comia
sem ganhar, tratando-o com arremesso e má vontade.
Sempre que estava com o marido não o largava
com queixas contra o sogro, dizendo que já não o podia aturar, que era um peso
enorme para a sua vida de trabalho e que não estava para mais sacrifícios, e
acrescentando quanto se lembrava, de modo a convencer o filho do muito que
sofria por causa do pai.
Ao princípio o marido mandava-a calar e
respondia-lhe:
— Tem paciência, mulher. Então que se há de
fazer?! É meu pai, coitado!
— Pois sim, sim!... É teu pai, mas sou eu
quem o atura, e não tu. Está muito porco, suja-me tudo. Não posso, não posso
sofrer mais!...
E todos os dias era a mesma coisa até que, uma
vez, bradou:
— Hoje acabou-se, ou sai o velho ou saio
eu!...
O homem, que gostava muito da mulher e não
queria que ela se fosse embora, disse, muito aborrecido:
— Mas que hei de eu fazer, para onde o hei de
mandar?
— Olha (respondeu a mulher), leva-o para a
montanha, onde não há viva alma, e as feras se encarregarão de nos livrar das
suas impertinências.
O filho ainda tentou harmonizar as coisas,
mas como não pôde, foi ter com o pai e convidou-o a ir com ele a uma festa
muito bonita que havia na montanha.
— Mas como hei de ir, meu filho, se não posso
andar?!
— Isso não importa, senhor pai, que eu o
levarei às costas.
Assim foi. A mulher arranjou-lhe um farnelzinho, e muito satisfeita se despediu dos dois, que seguiram o caminho da montanha, levando o moço o pai às costas.
A meio da encosta, que era ladeirenta e
pedregosa, porque já ia muito cansado, parou. E sentaram-se ambos numa pedra,
comendo o farnel com todo o sossego.
Depois tornou o filho a pegar no pobre
velhote e subiu, subiu, até chegar a um descampado onde só se viam os corvos e
as águias e se ouviam os uivos dos lobos.
De novo parou, disse ao pai que aguardasse
ali, com paciência, que ele descortinasse o caminho, e tratou de se ir embora,
sem mais querer saber da sorte que esperava o desgraçado.
Passaram-se anos, a mulher morreu, um filho
que tiveram cresceu e fez-se um homem laborioso e amigo do pai. E um dia também
lhe chegou a vez de se casar.
Também a nora veio para casa, e enquanto o
pai trabalhava e tinha o seu vintém para lhe dar, eram bom e bem tratado. Mas o
tempo foi correndo, o velho perdendo as forças, e daí começou a nora a embirrar
com ele e a protestar e a rezingar por não o querer em casa.
E tanto fez e tanto disse e chorou e se
queixou, que da mesma forma o rapaz, descoroçoado, lhe perguntou o que havia de
fazer e ela o aconselhou a ir levar o velho para a montanha, dizendo-lhe que
havia lá uma festa, à qual desejava que ele assistisse.
Assim se passou tudo. E, como o velhote não
podia andar, também o filho o levou às costas.
Chegando ao mesmo sítio onde, em novo, tinha
descansado o velho pai e comido o farnel, também pararam para descansar e tomar
alimento.
Então disse o velho:
— Descansa, filho, descansa, que foi aqui que
eu também descansei quando levei o meu pai para o sítio onde tu me levas...
— Que diz, pai?! Então já esteve neste
lugar?!
— Já... Eras tu menino e o meu pai muito
velho e rabugento, como eu!... Como a tua mulher, também a minha, que foi a tua
mãe, me cansava o bicho do ouvido a dizer que o não podia aturar e a queixar-se
dele. E tanto fez, tanto fez que me convenceu, como a tua te convenceu a ti, a
levá-lo para a montanha, para que as feras nos livrassem de tantos cuidados e
trabalhos!... E quando chegar o tempo, também o teu menino te fará o que eu fiz
ao meu pai e tu me estás agora fazendo!
O rapaz caiu em si e bradou:
— Não será assim, pai! Suba para as minhas
costas e voltemos para casa.
Ao chegar à porta com o velho pai, começou a
mulher a bramar, desesperada, por ver o sogro voltar de novo para lhe dar trabalhos
e fezes.
— Deixa, mulher!... Tem paciência e avém-te
conforme puderes, que eu para a montanha não levo o meu pai, para que o nosso
filho não aprenda o caminho e mais tarde nos leve também a nós! Lembra-te do
que diziam os antigos: "Filho és, pai serás, assim como fizeres, assim
acharás".
A mulher tomou paciência e o velho viveu até
ao fim da vida em sossego e com o respeito dos seus.
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Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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