Um pai tinha três filhos, que foram pelo
mundo correr sua ventura; tomou cada um para sua banda. O mais velho
encontrou-se com um viandante, e foi conversando com ele; chegados lá muito
longe o viandante disse:
— Paremos aqui para comer.
E desenrolou uma toalha que levava à cinta,
dizendo: “Põe-te, mesa!”
Logo ali apareceram muitos manjares e vinhos
e coisas boas, e comeram ambos. Como era já lusco com fusco, a toalha fez-se em
uma barraca, e ali passaram também a noite abrigados. Ao outro dia cortou cada
um para o seu lado e não se tornaram a ver. Ora o rapaz perdeu-se no caminho, e
foi dar a um grande barroco, e aconteceu ir encontrar o companheiro, dono da
toalha, cercado de lobos, que trabalhavam para lhe chegar. Pôs os lobos em
debandada com um pandeiro, e o viandante em paga de o ter salvado deu-lhe a
toalha do encanto.
O rapaz voltou para casa, sem ter mais
necessidade de trabalhar para comer.
O filho segundo não foi menos feliz;
encontrou um velhinho, que ia tangendo uma burra e foi conversando com ele;
chegando lá a uma encruzilhada separaram-se, e foi cada um para a sua banda.
Mas ouvindo lá pela noite adiante uns gritos de aflição foi-se chegando, e
acertou de ir dar a um sítio onde estavam uns salteadores a maltratarem o velho
para lhes dizer onde é que levava o dinheiro. O rapaz, que era valente, caiu em
cima dos ladrões, que fugiram, e assim livrou o velho. Este, agradecido,
deu-lhe em paga a sua burra, dizendo:
— Quando tu lhe disseres: “Mija dinheiro”,
essa burra dá-te todo o dinheiro que quiseres.
Assim voltou para casa tanto ou mais rico do
que o irmão.
O filho mais moço também era esperto;
encontrou no seu caminho um homem que levava às costas uma cacheira. Nisto
vieram uns ladrões sair-lhe à estrada, e ele disse:
— Desanda, cacheira!
O pau começou logo no ar a despedir pancadas
para a direita e para a esquerda, e os ladrões ficaram estendidos com pernas,
cabeças, braços quebrados, que era um louvar a Deus. Os dois companheiros foram
andando; vai o rapaz, e diz-lhe:
— Quer você vender-me a sua cacheira?
— Só se me deres todo o dinheiro que levas.
O rapaz deu-lhe tudo quanto o pai lhe tinha
dado para arranjar a sua felicidade. Voltou para casa muito contente com a
cacheira às costas. O pai assim que o viu, perguntou-lhe:
— Então o que é que trazes, que sejas tão
feliz como teus irmãos?
— Comprei esta cacheira com o dinheiro que
levei.
E contou o poder que tinha a cacheira. O pai
pôs-se a rir, e disse que não admirava que ele se deixasse enganar porque era
muito criança; e que a cacheira não servia para nada. O rapaz andava triste.
Havia uma grande festa na igreja da terra, e
o irmão mais velho foi lá; como andava sempre com a toalha, temendo que ela
perdesse o encanto, deixou-a à porta a uma velha que lha guardasse,
recomendando-lhe que não dissesse: “Põe-te, mesa!”
Se bem o disse, pior o fez a velha; e vendo
logo aparecer uma rica mesa posta, foi a toda a pressa esconder a toalha. Veio
também à festa o irmão do meio, e trazia consigo a burra, e deu-a a guardar à
velha, recomendando-lhe que tivesse mão nela, e que não dissesse: “Mija
dinheiro!” Mal virou as costas, a velha disse as palavras, e começou a correr
da burra dinheirama a rodo. A velha safou-se com a burra.
Quando os dois irmãos saíram da igreja não
acharam a velha, e vieram para casa muito tristes com o roubo de toda a sua
fortuna. Disse o mais novo:
— É tempo de saber para que serve esta
cacheira.
Foi ter à porta da igreja, e fingiu que
queria dar a guardar a cacheira; vem a velha ter com ele. Deu-lhe a cacheira:
— Guarda-ma até já, e não digas: “Desanda
cacheira!”
A velha, pelo vezo, faltou à promessa, e assim que disse: “Desanda cacheira!” como não estava ali em quem batesse, a cacheira começou a bater na própria velha, que foi a gritar procurar o rapaz para fazer parar aquele castigo. O rapaz veio de dentro da igreja, e deixou a cacheira malhar, até a velha confessar onde é que tinha escondido a toalha e a burra. Só quando ela entregou tudo, é que a cacheira parou. Se não fosse a cacheira, de que o pai fez escárnio, os outros tesouros ficariam perdidos para sempre.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Porto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2021)
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