Um compadre perseguia outro por uma dívida;
todas as vezes que lhe passava pela porta dizia:
— Dá-me o meu meio tostão.
O devedor, vexado, disse para a mulher que se
ia fingir morto, e que ela o carpisse muito, para ver se quando o compadre
passasse lhe perdoava pela sua alma o meio tostão. Assim fez; a mulher pranteou
e depenou-se, mas o compadre veio ao acompanhamento do enterro, e quando o
corpo se depositou na igreja deixou-se ficar escondido debaixo da eça. De noite
os ladrões entraram na igreja, e como viram a luz das tochas alumiando o morto,
entenderam que ali era lugar seguro para repartirem o dinheiro e fazerem os
quinhões do que tinham roubado. Quando estavam nisto, desavieram-se, porque
todos queriam umas certas joias que o capitão dos ladrões reservava para si.
Faziam muita bulha, mas o que se fingia morto na eça, e o compadre que estava
escondido, passaram sustos medonhos e não se mexiam. Por fim disse o capitão
dos ladrões:
— Eu cá não faço questão deste quinhão; mas
quem o quiser há de ir espetar esta faca no morto que está ali naquela eça.
Dizia um: "Vou eu"! Outro também
queria ir; mas o que se fingia defunto, sem saber como se havia de ver livre da
situação desesperada, senta-se no caixão, e diz com terror:
Acudam-me aqui os defuntos
E venham já todos juntos.
Os ladrões fugiram todos espavoridos e
deixaram o dinheiro ao pé da eça; o compadre que se fingia morto desceu para
baixo, e começou a ajuntar o dinheiro espalhado pelo chão. Quando estava nisto
sai-lhe debaixo da eça o credor, que nem à borda da cova o largava, e começa a
repetir-lhe sem parar:
— Dá-me o meu meio tostão! Dá-me o meu meio
tostão.
E não se tirava disto. Os ladrões por fim
envergonharam-se da sua covardia, e mandaram um mais valente à igreja ver o que
por lá havia, e se podiam ir buscar o seu dinheiro. O ladrão veio sorrateiro,
escondeu-se detrás de uma porta a escutar, e ouvia só:
— Dá-me o meu meio tostão!
Desatou a fugir, e foi dizer aos
companheiros:
— Está tudo perdido; andam lá tantos defuntos, que não cabe meio tostão a cada um.
Os ladrões conformaram-se com
esta desgraça, e o compadre assim é que pagou a sua dívida e ficou rico.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Porto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2021)
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