COMO A NOITE APARECEU
No princípio não havia noite; havia dia somente, em todo o tempo. A noite estava adormecida no fundo das águas. Não havia animais; todas as coisas falavam. A filha da Cobra Grande, contam, casara-se com um moço. Este moço tinha três fâmulos fiéis. Um dia chamou ele os três fâmulos e lhes disse: "Ide passear, porque minha mulher não quer dormir comigo."
Os fâmulos foram-se, e então ele chamou sua mulher para dormir com ele. A filha da Cobra Grande respondeu-lhe: "Ainda não é noite". O moço disse-lhe: "Não há noite, somente há dia". A moça falou: "Meu pai tem a noite. Se queres dormir comigo, manda buscá-la, lá pelo grande rio".
O moço chamou os três fâmulos; a moça mandou-os à casa de seu pai para trazerem um caroço de tucumã. Os fâmulos foram, chegaram em casa da Cobra Grande, esta lhes entregou um caroço de tucumã muito bem fechado, e disse-lhes: "Aqui está; levai-o. Eia! Não os abrais, senão todas as coisas se perderão".
Os fâmulos foram-se, estavam ouvindo barulho dentro do coco de tucumã, assim: ten, ten, len… xi… era o barulho dos grilos e dos sapinhos que cantam de noite. Quando já estavam longe, um dos fâmulos disse a seus companheiros: "Vamos ver que barulho será este". O piloto disse: "Não, do contrário nos perderemos. Vamos embora, eia, rema!" Eles foram-se e continuaram a ouvir aquele barulho dentro do coco de tucumã, e não sabiam que barulho era.
Quando já estavam muito longe, ajuntaram-se no meio da canoa, acenderam fogo, derreteram o breu que fechava o coco, e o abriram. De repente tudo escureceu. O piloto então disse: "Nós estamos perdidos; e a moça, em sua casa, já sabe que abrimos o coco de tucumã!" Eles seguiram viagem. A moça, em sua casa, disse então a seu marido: "Eles soltaram a noite; vamos esperar a manhã".
Então todas as coisas que estavam espalhadas pelo bosque, se transformaram em animais e em pássaros. As coisas que estavam espalhadas pelo rio, se transformaram em patos e peixes. Do paneiro gerou-se a onça; o pescador e a sua canoa se transformaram em pato; de sua cabeça nasceram a cabeça e bico do pato. A filha da Cobra Grande, quando viu a estrela d'alva, disse a seu marido: "A madrugada vem rompendo, vou dividir o dia da noite". Então ela enrolou um fio, e disse-lhe: "Tu serás cujubim". Assim, ela fez o cujubim, pintou a cabeça do cujubim de branco, com tabatinga, pintou-lhe as pernas de vermelho com urucum, e então disse-lhe: "Cantarás para todo sempre, quando a manhã vier raiando". Ela enrolou o fio, sacudiu cinza em riba dele, e disse: "Tu serás inambu, para cantar nos diversos tempos da noite, e de madrugada".
De então para cá todos os pássaros cantaram em seus tempos, e de madrugada para alegrar o princípio do dia.
Quando os três fâmulos chegaram, o moço
disse-lhes: "Não fostes fiéis; abristes o caroço de tucumã, soltastes a
noite e todas as coisas se perderam, e vós também que vos metamorfoseastes em
macacos, andareis para todo o sempre pelos galhos dos paus". A boca preta,
e a risca amarela que eles têm no braço, dizem que é ainda o sinal do breu que
fechava o caroço de tucumã, que escorreu sobre eles quando o derreteram.
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Ano de
publicação: 1876.
Origem:
Brasil
Pesquisa
e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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