Era uma vez um rapaz, muito pobre e humilde,
que se apresentou à porta da quinta de abastado lavrador, pedindo trabalho.
Como faltasse, por acaso, um dos criados, foi
contratado para o serviço. E depressa caiu na boa graça de todos, porque era
ladino, serviçal e bem-apessoado.
À noite, quando vinha, com os companheiros do
trabalho, para a lareira, esperando a ceia, todos se admiravam de lhe ouvirem
dizer:
— Casa de meu Pai, casa de meu Pai! Mesas de
engonços, candeeiros de trinta luzes, garfos de cinco dentes!... Enquanto ele
era vivo, tudo era para trás, para trás!...
Depois da sua morte, era tudo para diante,
para diante!...
Ora o lavrador tinha uma filha, nova e
bonita, a quem não passava desapercebido coisa alguma do que fazia e dizia o
moço.
E sempre que lhe ouvia aquela prédica, ficava
muito intrigada, sem saber o que pensar. Até que, um dia, se decidiu, e foi
contar aos pais tudo quanto ouvira daqueles desabafos do novo criado.
Os pais não ficaram menos intrigados. E,
cheios de curiosidade, foram com ela esconder-se perto da lareira, onde o rapaz
chegara para se aquentar. E ouviram-lhe o mesmo desabafo:
— Casa de meu Pai, casa de meu Pai! Mesas de
engonços, candeeiros de trinta luzes, garfos de cinco dentes!... Enquanto o meu
Pai foi vivo, tudo era para trás, para trás!... Depois que ele morreu, tudo era
para diante, para diante!...
O lavrador e a mulher pensaram muito no que
as palavras do moço queriam dizer. E convenceram-se de que ele era bastante
rico, e vivia numa grande herdade, com fartura crescente, pois ia tudo para
diante, para diante!... Convencidos ambos disto, logo resolveram que seria
assim um bom casamento para a filha. Como a rapariga não achasse má lembrança a
dos pais e até se mostrasse agradada do rapaz, falaram a este que, da melhor
vontade e com alegria, disse que sim.
Depois de casados, perguntou-lhe a noiva:
— Agora hás de tu explicar-me o que queriam
dizer aquelas palavras que estavas sempre a repetir: "Casa de meu Pai,
casa de meu Pai! Mesas de engonços, candeeiros de trinta luzes, garfos de cinco
dentes... Enquanto meu Pai foi vivo, tudo era para trás, para trás!... Depois
que ele morreu, tudo para diante, para diante".
— Então ouviam os meus desabafos (exclamou o
rapaz, a rir)? E não sabes o que querem dizer?! É bem simples. É que na minha
casa éramos pobrezinhos. E porque não tínhamos, sequer, mesa para comer,
púnhamos o prato sobre os joelhos, que eram as mesas de engonços. Candeeiros de
trinta luzes eram as pinhas, a arder na lareira. Garfos de cinco dentes eram os
dedos, porque não tínhamos talheres. Era tudo para trás, para trás, quando o
meu Pai era vivo, porque ele ia ao mato buscar lenha, e fazia grandes fogos na
lareira. E todos nos arredávamos para trás, por não podermos aturar o calor.
Depois que meu Pai morreu, já não tínhamos quem fosse ao mato buscar a lenha. E
assim, engatinhadinhos com frio, todos nos chegávamos para diante, para diante,
ao borralho do brasido. Quando encontrei o bem e a fartura desta família,
lembrava-me da casa de meu Pai e da miséria que lá sofria e para meu bem me
obrigou a vir procurar fortuna por estes mundos e a melhores terras. Eu
sinto-me feliz por ter encontrado esta casa e uma santa mulher, tão amável e
desinteressada com tu, para aceitares por marido um pobre trabalhador, até aqui
tão desamparado sempre da sorte!...
A rapariga ficou um pouco desapontada. Mas,
como gostava do noivo, não fez má cara e acabou por lhe dizer, a rir-se, que
também para ela os desabafos, que ninguém entendia, lhe tinham dado a boa sorte
que esperava.
Os pais da rapariga, quando ela, depois, lhes
repetiu, a rir, a explicação pedida, é que deram por paus e por pedras,
esconjurando o espertalhão. Mas, por honra da firma, nada quiseram dar a
perceber. E, como viram a filha satisfeita e feliz, e o genro sempre dado ao trabalho,
bom administrador, e para eles amigo e respeitoso, acabaram por lhe entregar a
direção da sua lavoura.
Assim o moço, pobre mas trabalhador,
tornou-se um dos grandes lavradores daquelas redondezas, bem visto e querido
por todos, como se fora antigo morgado ou fidalgo de linhagem.
E quanto mais tempo ia passando e mais
cresciam os seus haveres e a consideração do mundo, mais comovido e grato
repetia o novo lavrador:
— Casa de meu Pai, casa de meu Pai! Mesas de
engonços, candeeiros de trinta luzes, garfos de cinco dentes!... Em vida de meu
Pai, era tudo para trás, tudo para trás!... Depois que ele morreu, era tudo
para diante, para diante!...
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Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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