Era uma vez um homem; vivia numa cidade e trazia navegações no mar, e depois foi ele e deu em decadência por se lhe perderem as navegações. Ele teve o seu pesar e não podia viver com aquela decência com que vivia no povoado e tinha umas terrinhas na aldeia e disse para a mulher e para as filhas:
— Não temos remédio senão irmos para as nossas terrinhas; se vivemos com menos decência que até aqui, somos pregoados dos nossos inimigos.
A mulher e uma filha aceitaram, mas as outras duas filhas começaram a chorar muito. E depois foram. A que tinha ido de sua vontade era a mais nova e chamava-se Bela-Menina; cantava muito e era a que cozinhava e ia buscar erva para o gado, de pés descalços; as outras metiam-se no quarto e não faziam senão chorar. Quando o pai ia para alguma parte, as mais velhas sempre pediam que lhes trouxesse alguma coisa e a mais nova não lhe pedia nada. Vai nisto, veio-lhe uma carta de um amigo dizendo que as navegações que vinham aí, que tiveram notícia e que fosse vê-las.
O homem caminhou mais um criado saber das tais navegações; quando saiu, disseram as suas filhas mais velhas que, se as navegações fossem as dele, lhes levasse algumas coisas que lhe declararam. E ele disse à mais nova:
— Ora todas me pedem que lhes traga alguma coisa. Só tu não me pedes nada?
— Vou pedir-lhe também uma coisa; onde o meu pai vir o mais belo jardim, traga-me a mais bela flor que lá houver.
O pai foi e chegou a uma cidade e reconheceu que as navegações não eram dele e foi-se embora com a bolsa vazia. Chegou a um monte e anoiteceu-lhe; ele viu uma luz e dirigiu-se para ela a ver se encontrava quem o acolhesse. Chegou lá e viu uma casa grande e estropeou à porta; não lhe falaram; tornou a estropear; não lhe falaram. E disse ao moço:
— Vai aí pelo portal de baixo ver se vês alguém.
— Veio lá muitas luzes dentro e cavalos a comer e penso para lhe botar; mas não veio ninguém. Então o homem mandou meter o cavalo na cavalariça e entraram na cozinha. Acharam lá que comer e, como a fome não era pequena, foram comendo muito. E nisto aí vem por essa casa adiante uma coisa fazendo um grande ruído, assim como umas cadeias que vinham a rastos pela casa adiante e depois chegou ao pé deles um bicho de rastos e disse-lhes:
— Boas-noites.
Eles puseram-se a pé com medo e disseram-lhe:
— Nós viemos aqui por não acharmos abrigo nem que comer noutra parte; mas não vimos fazer mal a ninguém.
— Deixai-vos estar e comei.
Demorou-se um pouco o bicho e disse-lhes:
— Ora ide-vos deitar que eu também vou para o meu curral.
E começou-se a arrastar pela cozinha e foi. Ao outro dia o homem foi ao jardim, que era o mais belo que tinha visto, e disse:
— Já que não posso levar nada para as minhas filhas mais velhas, quero ao menos levar a flor para a Bela-Menina...
Estava a cortar a flor e nisto o bicho salta-lhe:
— Ah, ladrão! Depois de eu te acolher em minha casa, tu vens-me colher o meu sustento, que eu não me sustento senão em rosas.
E ele disse:
— Eu fiz mal, fiz; mas eu tenho lá uma filha que me pediu que lhe levasse a mais bela flor que eu visse na viagem, e não podendo levar nada às outras filhas, queria ao menos levar a flor; mas se a quereis ela aí fica.
— Não, levai-a e se me trouxerdes cá essa filha, ficais ricos.
O homem caminhou e chegou a casa muito apaixonado por não trazer nada às outras filhas e não achar as navegações e pegou na flor e deu-a à Bela-Menina.
A filha, assim que viu a flor, disse:
— Oh, que bela flor! Onde a achou, meu pai? O pai contou-lhe o que vira e a filha disse:
— Ó meu pai, eu quero ir ver.
— Olha que o bicho fala e disse também que te queria ver.
— Pois vamos.
— Ó pai, eu quero cá ficar com este bicho, que ele é muito bonito.
O pai teve a sua pena, mas deixou-a. Passado algum tempo, ela disse:
— Ó meu bichinho, tu não me deixas ir ver os meus pais?
— Não, tu não vais lá por ora; teu pai vem cá. O pai veio e disse ao bicho:
— Eu queria levar a rapariga.
— Não me leves daqui a rapariga, senão eu morro e tu vai ali àquela porta e abre-a e leva dali a riqueza que tu quiseres e casa as tuas filhas.
O homem que mais quis?
Um dia o bicho disse à Bela-Menina:
— A tua irmã mais velha lá vem de se receber; tu queres vê-la?
— Quero.
— Vai ali e abre aquela porta.
— Agora deixa-me ir ver o meu cunhado.
— Eu deixava, deixava; mas tu não tornas.
— Torno; dá-me só três dias que eu em um dia e meio chego lá e torno cá noutro dia e meio.
— Se não vieres nestes três dias, quando voltares achas-me morto.
Ela foi; no fim dos três dias ela veio, mas tardou mais um pouquito que os três dias; ela foi ao jardim e viu-o deitado como morto.
Chegou ao pé dele, “Ai meu bichinho!” E começou a chorar. Ele caiu e ela disse:
— Coitadinho, está morto; vou dar-lhe um beijinho. E deu-lhe um beijo, mas o bicho fez-se um belo rapaz.
Era um príncipe encantado que ali estava e que casou com ela.
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Ano de publicação: 1879.
Origem: Portugal.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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