Dom Jabuti seguia uma vez, distraído,
preocupado com os seus negócios, filosofando nas coisas desta vida, por um
caminho no meio do mato, quando esbarrou com uma velha e enorme anta, enforcada
num laço que caçadores haviam armado. Mais que depressa principiou a roer a
corda que prendia o pescoço do bicho, e depois de esconder a corda, num buraco,
começou a gritar:
— Acode, gente!... acode depressa!...
Dona Onça, que passava na ocasião, foi ver
porque motivo tanto gritava o jabuti.
— Que é isto? interrogou.
— Estou chamando gente para vir comer a anta
que acabei de caçar agora mesmo.
— Queres que eu parta a anta? propôs a
comadre onça.
— Quero sim. Dividirás a metade para mim e a
outra para ti, disse ele.
— Então, vai apanhar lenha, para assarmos a
carne da anta.
Quando o jabuti voltou apenas encontrou o
couro da anta, e disse:
— Deixa estar, onça velhaca, hás de me pagar
algum dia esse desaforo que me fizeste.
Saindo dali, andou por muitos dias seguidos.
Ia pelo caminho pensando como se vingar da onça, quando se encontrou com um
bando de macacos, em cima de uma bananeira, comendo bananas.
— Olá, compadre macaco, atira uma banana para
mim, disse o jabuti.
— Por que não sobes? Não és prosa, jabuti?
— Vim de muito longe e estou cansado.
— Pois o que posso fazer é ir buscar-te daí
debaixo cá para cima, disse um dos micos.
— Pois então, vem.
O macaco desceu, pôs em cima o jabuti, que
ali ficou dois dias, por não poder descer.
***
No terceiro apareceu uma onça, a mesma que
tinha encontrado com ele perto da anta.
— Olá, jabuti, como subiste nesta bananeira?
— Muito bem, onça.
A onça, que estava com fome, disse:
— Ó jabuti, desce cá para baixo.
— Só se me aparares na boca, onça. Não quero
me machucar, pulando daqui ao chão.
A onça abriu a boca e o jabuti deu um pulo,
mesmo na goela do bicho, que morreu imediatamente.
— Matei uma onça, meus parentes, vão ver
debaixo das bananeiras!...
— Ó jabuti, que estás dizendo?
— Não é nada, onça, é cá uma cantiga que eu
sei.
E foi procurando um buraco para se esconder.
Assim que encontrou uma furna, parou e disse:
— Ó onça, sabes o que estava cantando? É
isto: matei uma onça. Vão ver debaixo das bananeiras.
A onça correu para pegá-lo, mas o jabuti
meteu-se pelo buraco, onde a onça também introduziu a pata, segurando-o por uma
das pernas.
— Ó onça, pensas que apanhaste a minha perna,
mas engana-te: apenas seguraste numa raiz.
A onça largou a perna do jabuti, que tinha
nas garras, e retirou o braço do buraco.
— Ó sua tola, foi a minha perna que seguraste
mesmo. Agora vai ver a tua parenta que está embaixo das bananeiras.
A onça ainda cavou um bocado, para ver se
apanhava o Jabuti, mas este já estava longe, porque a furna onde entrara era
muito funda.
Desde esse dia, a onça anda à procura do
jabuti para se vingar, mas até hoje ainda não o encontrou.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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