domingo, 5 de dezembro de 2021

As sonsas (Conto popular), de Teófilo Braga

 

AS SONSAS
 

Havia um rei, e na sua corte andavam dois cavaleiros; um falava nas suas três filhas, que eram muito devotas e que não se importavam com as vaidades do mundo; o outro tinha uma filha só, que era muito alegre e divertida. Juntaram-se um dia muitas senhoras e falaram nas suas filhas, aonde estava também o príncipe, que, ouvindo as conversas, foi ter com a rainha e pediu-lhe as suas joias. Vestiu-se em adela e foi a casa do fidalgo que tinha as três filhas beatas. Bateu à porta; os criados foram chamar a dona da casa, mãe das meninas, e ela lhe disse:

— As minhas filhas não hão de querer agora joias, pois elas não fazem outra coisa senão rezar.

Mas a adela pediu que ao menos a recolhessem do ar da noite, e queria que a deixassem ficar no quarto das meninas, porque assim ficava mais segura com as joias que trazia, que eram de muito valor. A mãe falou nisto às filhas; e elas:

— Nós não queremos cá velhas; temos muito que rezar.

A mãe disse:

— Ela fica aí para um canto do quarto, porque não quero que em minha casa aconteça a desgraça de a roubarem.

A adela entrou para o quarto das meninas; deitou-se e fingiu que dormia. Lá por alta noite entraram três mancebos, que eram os namorados das três meninas, e cada um deixou uma coisa. A adela, assim que viu esses objetos, agarrou neles e abalou.

No dia seguinte, o príncipe que era a dita adela, esperou que anoitecesse, e foi a casa da filha do outro fidalgo, bateu à porta, veio a mãe da menina; disse que trazia ali umas joias, para ver se a menina quereria comprar.

Veio ela muito contente, esteve a ver as joias, e, como isto levou tempo, disse:

— Minha rica velhinha, eu não quero nada; mas como é tarde há de cá dormir, e fica no meu quarto.

Depois deram a ceia à velha, e ela foi deitar-se para o quarto da menina, que lhe deu também a sua cama. A velha fingia que dormia; a menina veio deitar-se. Penteou-se, rezou, despiu-se e deitou-se sem camisa na cama. A adela, assim que a apanhou dormindo, pegou na camisa e foi-se embora.

No fim de dias o príncipe mandou avisar, para todos os fidalgos irem ao palácio com as suas famílias; quando estavam presentes, chamou um cavaleiro e mostrou-lhe uma prenda e perguntou se a conhecia.

O cavaleiro disse que sim, e que a tinha deixado no quarto de uma menina. Fez mais perguntas iguais aos outros mancebos, e as três beatas estavam muito envergonhadas. Chegou por fim a vez da menina da camisa; chamou-a, e ela desatou a rir.

A mãe disse-lhe:

— Sustei-vos, filha, não vos rides.

— Ai, senhora! agora é que eu vejo que o príncipe era a velha adela que me furtou a camisa.

O príncipe perguntou-lhe:

— Será esta a camisa?

— É sim senhor.

— Pois bem, aqui tem a sua camisa, e saiba que deste instante por diante fica minha verdadeira esposa, e a estas meninas dou-lhes a sentença que, como são muito beatas, se faça um convento para as meter para sempre. 

 

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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Ilha de São Miguel — Açores)

Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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