Havia um rei, e na sua corte andavam dois
cavaleiros; um falava nas suas três filhas, que eram muito devotas e que não se
importavam com as vaidades do mundo; o outro tinha uma filha só, que era muito
alegre e divertida. Juntaram-se um dia muitas senhoras e falaram nas suas
filhas, aonde estava também o príncipe, que, ouvindo as conversas, foi ter com
a rainha e pediu-lhe as suas joias. Vestiu-se em adela e foi a casa do fidalgo
que tinha as três filhas beatas. Bateu à porta; os criados foram chamar a dona
da casa, mãe das meninas, e ela lhe disse:
— As minhas filhas não hão de querer agora
joias, pois elas não fazem outra coisa senão rezar.
Mas a adela pediu que ao menos a recolhessem
do ar da noite, e queria que a deixassem ficar no quarto das meninas, porque
assim ficava mais segura com as joias que trazia, que eram de muito valor. A
mãe falou nisto às filhas; e elas:
— Nós não queremos cá velhas; temos muito que
rezar.
A mãe disse:
— Ela fica aí para um canto do quarto, porque
não quero que em minha casa aconteça a desgraça de a roubarem.
A adela entrou para o quarto das meninas;
deitou-se e fingiu que dormia. Lá por alta noite entraram três mancebos, que
eram os namorados das três meninas, e cada um deixou uma coisa. A adela, assim
que viu esses objetos, agarrou neles e abalou.
No dia seguinte, o príncipe que era a dita
adela, esperou que anoitecesse, e foi a casa da filha do outro fidalgo, bateu à
porta, veio a mãe da menina; disse que trazia ali umas joias, para ver se a menina
quereria comprar.
Veio ela muito contente, esteve a ver as
joias, e, como isto levou tempo, disse:
— Minha rica velhinha, eu não quero nada; mas
como é tarde há de cá dormir, e fica no meu quarto.
Depois deram a ceia à velha, e ela foi
deitar-se para o quarto da menina, que lhe deu também a sua cama. A velha
fingia que dormia; a menina veio deitar-se. Penteou-se, rezou, despiu-se e
deitou-se sem camisa na cama. A adela, assim que a apanhou dormindo, pegou na
camisa e foi-se embora.
No fim de dias o príncipe mandou avisar, para
todos os fidalgos irem ao palácio com as suas famílias; quando estavam
presentes, chamou um cavaleiro e mostrou-lhe uma prenda e perguntou se a
conhecia.
O cavaleiro disse que sim, e que a tinha
deixado no quarto de uma menina. Fez mais perguntas iguais aos outros mancebos,
e as três beatas estavam muito envergonhadas. Chegou por fim a vez da menina da
camisa; chamou-a, e ela desatou a rir.
A mãe disse-lhe:
— Sustei-vos, filha, não vos rides.
— Ai, senhora! agora é que eu vejo que o
príncipe era a velha adela que me furtou a camisa.
O príncipe perguntou-lhe:
— Será esta a camisa?
— É sim senhor.
— Pois bem, aqui tem a sua camisa, e saiba que deste instante por diante fica minha verdadeira esposa, e a estas meninas dou-lhes a sentença que, como são muito beatas, se faça um convento para as meter para sempre.
---
Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Ilha de São Miguel — Açores)
Nenhum comentário:
Postar um comentário