Um pobre homem casado tinha muitos filhos,
sem ter que lhes dar a comer; de uma vez, quando os pequenos já estavam
deitados, disse ele para a mulher:
— O melhor é levá-los comigo para o monte
quando for à lenha, e deixá-los lá.
O filho mais novo apanhou a conversa e
levantou-se sorrateiro, e foi à ribeira e trouxe para casa muitos seixinhos. Ao
outro dia pela madrugada o homem saiu com os filhos para o monte, e o mais novo
foi espalhando os seixos pelo caminho. Ao cair da tarde o homem carregou a
lenha, e disse aos filhos que ficassem guardando o resto, que já vinha por
eles. Mas, voltou ele? Assim que anoiteceu, os pequenos começaram a chorar; ora
o mais novo, disse:
— Eu sei o caminho.
E foi procurando os seixinhos brancos que
tinha deixado cair pelo caminho; o que é certo é que deu com o caminho de casa
mais os irmãos. Estava a porta fechada e estava-se à ceia. Dizia a mulher:
— Está este caldinho tão bom. Quem me dera
aqui agora os nossos filhos! Onde estarão a estas horas?
— Estamos aqui, mãezinha.
A mãe foi abrir-lhes a porta. Passaram
tempos, a pobreza aumentou, e o pai combinou outra vez a i-los deixar no monte;
assim fez. O pequeno apanhou a conversa, e desta vez, como não pôde ir buscar
os seixos, encheu uma algibeira de tremoços, e foi-os espalhando. À noite
quando o pai se veio embora, o pequeno começou a procurar os tremoços, e os
pássaros tinham-nos comido, e não pôde achar o caminho. Ele mais os irmãozinhos
perderam-se no descampado, até que foram dar a uma casa onde morava um homem
ruim; a mulher assim que os viu, disse:
— Ai meninos, que vindes aqui fazer, que o
meu homem come gente!
— O que nós queríamos era comer alguma
coisinha, disse o mais esperto.
Entraram; a mulher deitou os seus filhos em
uma cama, e pôs-lhe umas carapucinhas e levou os pequenos perdidos, para outra
cama. O pequeno mais esperto não pregava olho, e lá pela noite adiante, viu
entrar o homem ruim, de dentes arreganhados:
— Cheira-me aqui a gente nova!
A mulher confessou-lhe tudo; ora o pequeno
tinha ido tirar as carapucinhas aos outros e tinha-as metido nas cabeças dos
irmãos e da sua. O homem mal passou pela cama das crianças, e pensando que eram
os seus filhos foi ter à outra cama, e como os não viu com as carapucinhas,
degolou-os logo a todos, e começou a comer neles. Os pequenos pelo aviso do
irmão escapuliram-se, e quando já iam muito longe é que o homem ruim deu pelo
engano; calçou umas botas de sete léguas, e tal passada deu que os pequenos lhe
ficaram atrás; andou, andou e de cansado voltou e adormeceu no caminho. O
pequeno roubou-lhe as botas de sete léguas, e assim pôs-se a salvamento mais os
irmãos, e como o rei tinha guerras muito longe, ele levava as ordens, e trazia
as notícias, e assim ganhou muito dinheiro com que tirou toda a sua família da
pobreza.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2021)
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