Tendo adoecido gravemente o lavrador
Bernardo, foi preciso que alguém fosse à cidade procurar um remédio receitado
pelo médico. Na única botica da vila não havia aquela droga, difícil e cara,
que só se encontrava nas mais importantes drogarias.
Bernardo morava na sua situação, afastada da
vila, e longe, muito longe da capital. Para se ir até lá, era mister atravessar
extensa floresta, onde costumavam reunir-se vários salteadores, e povoada de
animais ferozes.
Vendo que só o tal medicamento poderia salvar
o pobre velho, seu filho Heitor, que tinha apenas quinze anos, resolveu
buscá-lo.
Era cedo, escuro ainda, quando saiu de casa,
em companhia do seu cachorro Leão – um animal fiel e dedicado.
Caminhou o dia inteiro, sem parar. Ia
anoitecendo, mas ainda o dia não morrera de todo, quando avistou no meio da
floresta uma pequena choupana. Resolvido a passar a noite aí, bateu à porta.
Abriu-se uma janela, aparecendo uma velhinha, feia e magra, devendo ter mais de
oitenta anos.
Pediu-lhe hospitalidade, e ela mandou-o
entrar, recomendando primeiro:
— Amarre o seu cachorro, moço, que parece um
animal muito bravo, e eu tenho medo de cães.
— Nada receie, minha velha, respondeu Heitor,
porque Leão me obedece cegamente, e só ataca a quem me quiser fazer mal.
— Pode ser que seja verdade, replicou a
velha, mas é que eu já fui mordida uma vez, e não o quero ser segunda.
Amarre-o, senão ficará de fora.
— Mas é que eu também não tenho com que
amarrá-lo.
— Isso não seja a dúvida. Basta que lhe passe
ao pescoço um fio de cabelo meu...
A velhinha arrancou um fio branco, e deu-o ao
moço, que se riu daquela corda de nova espécie.
Quando viu o cão amarrado, a dona da choupana
mais que depressa atirou-se a Heitor. Ninguém diria ao ver aquela criatura já
prestes a morrer, que tinha tanta força como qualquer ferreiro.
O mancebo, meio admirado, tentou lutar com
ela, e sentindo-se fraquejar, chamou o auxílio do cachorro, bradando:
— Avança! avança, meu Leão!...
— Engrossa bem, meu cabelão!... gritou a
velha.
O fio de cabelo que prendia o animal
engrossou àquelas palavras, tornando-se pesada e forte corrente de ferro.
Tendo subjugado Heitor, a feiticeira
amarrou-o solidamente, encerrando-o num quarto a fim de engordá-lo e comê-lo
mais tarde.
***
Passados três dias, vendo que Heitor não
regressava, Lauro, seu irmão, segundo filho do velho Bernardo, projetou ir em
busca do remédio, e ao mesmo tempo procurar saber o que sucedera ao outro.
Saiu de casa, levando por companheiro único
um valente cachorro que possuía, e ao qual denominara Capitão.
Seguindo o mesmo trajeto de Heitor, foi parar
na mesma choupana, onde a velhinha o recebeu como recebera o primeiro,
recomendando que amarrasse o cão com o fio de cabelo.
Lauro, vendo-se ameaçado por ela, chamou em
seu auxílio o fiel companheiro, que por mais de uma vez experimentara:
— Avança! avança! Capitão...
Do mesmo modo que procedera quando prendeu
Heitor, a megera berrou:
— Engrossa, engrossa, cabelão!...
O pobre animal, ligado por uma corrente
grossa, não pode desta vez socorrer seu amo.
A velha feiticeira prendeu Lauro num
quartinho escuro, até que chegasse a sua vez de ser comido.
***
Só restava no sítio do bom e digno Bernardo
sua mulher e seu terceiro filho Raul.
Não obstante ter somente onze anos, Raul era
um menino animoso e ousado.
Quis ir buscar o medicamento receitado, que
devia salvar o velho, e procurar os irmãos, e foi.
Pela madrugada saiu de casa, despediu-se de
seus pais, e partiu resolutamente.
Também ele chegou à cabana da velhinha, e
pediu pousada naquela noite.
Ao ouvir a recomendação para prender o
cachorro que levava, disse consigo mesmo:
— Para que quererá esta mulher ver o meu fiel
Plutão amarrado? Um fio de cabelo não é corda, e se ela na verdade tem tanto
medo dos cães, como diz, dar-me-ia outra corda. Aqui há algum mistério.
Fingiu, todavia, que amarrava o animal, mas
apenas pousou o cabelo no pescoço, sem dar nó.
A feiticeira, julgando o cão preso, segurou
Raul pelo braço, e disse:
— Tu ainda és muito pequeno para eu estar com
cerimônias. Vamos para o quarto escuro, até que chegue a vez de te comer
ensopado.
— Não, minha velhinha, disse-lhe Raul,
dando-lhe um sopapo.
A bruxa correu para pegá-lo, e o menino
gritou:
— Avança! avança! bom Plutão!
— Engrossa bem, meu cabelão!... bradou a
velha.
O cabelo transformou-se em uma
corrente, mas como não se achava amarrado, caiu no chão.
O fiel cachorro de um salto atirou-se ao
pescoço da velhinha, e estrangulou-a.
Raul percorreu a cabana, e encontrou seus
irmãos, bem como muitos outros viajantes, que haviam caído sob as garras da
miserável feiticeira.
Soltou toda a gente, e ateou fogo à choupana.
Os presos, agradecidos, deram-lhe dinheiro, e
os três irmãos tiveram tempo de ir à cidade e comprar a droga que salvou o
velho Bernardo.
---
Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
Nenhum comentário:
Postar um comentário