Reinaldo era um moço estimadíssimo pelas
excelentes qualidades, sobretudo por ser honrado e sério. Tinha dois irmãos, e
todos três eram filhos de um rico fidalgo.
Os irmãos casaram-se com moças da sua
sociedade e posição. Vivia cada um em sua casa, tendo por costume irem jantar o
primeiro domingo de cada mês no palacete do velho, onde se reunia toda a
família.
Reinaldo gostava extraordinariamente de
música. Qualquer que fosse o instrumento, apreciava, e seria capaz de ficar um
dia inteiro a ouvi-lo.
Uma tarde passeava à margem de uma lagoa. Era
ao pr do sol. De súbito, ouviu uma voz deliciosa, cantando uma romanza que ele
desconhecia, de extraordinária harmonia e suavidade.
O moço parou, e deixou-se ficar enlevado a
escutar. A voz parecia vir de perto, mas debalde procurou a moça que cantava.
Foi-se entusiasmando cada vez mais, até que,
cessando a cantiga, ele exclamou:
— Palavra de honra que me casaria com a dona
de tão linda voz, se pudesse vê-la, ainda que fosse uma sapa desta lagoa!
Acabando de dizer isso, Reinaldo viu saltar
da água para terra uma sapa enormíssima e horrendamente feia.
— Pois é uma sapa que estava cantando, falou
ela. O senhor é um moço sério, e tem de cumprir a sua palavra...
— Fui leviano em pronunciar tal frase,
replicou Reinaldo. Entretanto, como só tenho uma palavra, cumpri-la-ei. Vou
apenas avisar meu pai, e amanhã aqui estarei.
Saiu e chegou à casa, tristíssimo, narrando o
que lhe sucedera. O velho fidalgo concordou que ele devia cumprir a promessa,
feita sob palavra de honra.
No dia seguinte, o jovem foi à lagoa. A sapa,
assim que o viu, falou:
— Entre dentro da água sem receio, e
mergulhe.
O rapaz executou à risca aquela recomendação,
e viu-se de súbito num deslumbrante palácio, edificado embaixo do lago.
Aí estava tudo preparado para o casamento.
Passou-se o mesmo que ocorre em nossas cerimônias, com a diferença que a única
criatura humana era Reinaldo. O mais: padre, sacristão, testemunhas,
convidados, lacaios, eram sapas e rãs que coaxavam desagradavelmente.
Durante quinze dias o moço viveu
satisfeitíssimo. Habitando um palácio real, nada lhe faltava, melhor do que no
palacete de seu pai, e tendo ainda por cima, concertos divinos, em que tomavam
parte sapos músicos e sapos cantores inexcedíveis, tocando toda a sorte de
instrumentos.
Ia se aproximando o primeiro domingo em que
sua família – segundo antiquíssima tradição – devia reunir-se no solar paterno.
Reinaldo entristeceu-se, lembrando-se que
tinha que ir forçosamente em companhia de sua horrenda mulher. Que não diriam
seus irmãos? Como não haviam de zombar dele suas cunhadas e sobrinhos?
***
Chegou o dia marcado. Eram onze horas da
manhã quando ele e a sapa se puseram a caminho, seguidos de uma infinidade de
sapos, sapas, sapões.
Iam em ordem, enfileirados, como se se
tratasse de um cortejo real.
No palacete, a família reunida esperava a
chegada de Reinaldo, zombando dele, cheia de escárnio e ironia.
Avistaram de longe a multidão dos habitantes
da lagoa.
Todo o mundo se ria.
Quando o séquito chegou ao grande pátio do
palacete, bateu a primeira badalada do meio-dia.
Nesse instante os sapos, sapas, sapões e
sapinhos viraram fidalgos, fidalgas, lacaios, pajens, soldados e cavaleiros,
escoltando Reinaldo e uma lindíssima jovem.
A sapa era uma princesa. Encantada por uma
feiticeira, só devia volver à forma humana, bem como os seus súditos, se
encontrasse um homem que a desposasse.
Reinaldo ficou louco de contentamento, ao
passo que seus irmãos e cunhadas desapontaram.
No lugar onde era a lagoa apareceu um palácio
sem igual em todo o país – o palácio que estava no fundo da água, e fora
submergido pela fada má.
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Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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