Um pobre homem estava a trabalhar no mato, a
cortar lenha para ir vender pela vila e assim sustentar mulher e filhos. De
repente viu ao pé de si dois sujeitos, bem vestidos, que lhe disseram:
— Nós somos a Fortuna e a Riqueza. Vimos-te
ajudar.
Cada um queria acudir de preferência ao pobre
homem, e altercavam entre si. Dizia a Riqueza:
— Eu só por mim o faço feliz; sendo ele rico
tem tudo.
— Pois mesmo sem ser rico, eu dando-lhe
fortuna, faço-lhe maior benefício. Senão experimentemos.
A Riqueza virou-se para o pobre do homem e
disse:
— Toma lá este cruzado novo; amanhã compra
carne, pão e vinho e não trabalhes nesse dia.
O homem foi-se embora contentíssimo para
casa; no outro dia foi ao açougue. Deu ao magarefe o dinheiro adiantado, mas
como estava um grande barulho de gente no açougue, o carniceiro negou que lhe
tinha dado o dinheiro, e o pobre homem resignou-se e foi outra vez trabalhar
para o mato.
A Riqueza tornou a chegar-se ao pé dele, e
quando soube de que lhe servira o cruzado novo, ficou zangada e deu-lhe uma
bolsa cheia de dobrões. O homem voltou para casa; mas como a bolsa era de
marroquim vermelho, uma ave de rapina caiu de repente sobre ele e arrebatou nas
garras o saco, e voou. O homem contou a sua tristeza à mulher, e no outro dia
foi trabalhar para o mato. Tornou-lhe a aparecer a Riqueza; ficou mais
desesperada quando soube do acontecido à bolsa dos dobrões:
— Pois desta vez dou-te um saco de peças tão
grande que não podes com ele; mas aqui tens um cavalo, que to vai levar a casa.
O homem agradeceu aquele favor da Riqueza e
pôs-se a caminho para casa. Quando ia por um atalho, estava num campo uma égua,
e o cavalo botou a fugir atrás dela de tal forma que o homem não foi capaz de o
agarrar, e por mais que andou não pôde achar o cavalo.
Quando a Riqueza não esperava tornar mais a
encontrar o homem no mato, foi ao sítio costumado com a Fortuna, e qual não foi
o seu pasmo quando viu o pobre do homem a trabalhar como dantes. Disse então a
Fortuna:
— Agora é a minha vez de o fazer feliz;
vou-lhe dar apenas um vintém. Olhe lá, ó homem, tome esse vintém, e assim que
chegar à vila compre a primeira coisa que lhe aparecer.
O homem em caminho para casa encontrou quem
lhe ofereceu uma vara de andar à azeitona pelo preço de um vintém, e comprou-a.
No outro dia foi para a apanha, e quando ia varejar uma oliveira, caiu-lhe de
um galho uma bolsa de marroquim cheia de dobrões. Agarrou nela e levou-a para
casa, e contou à mulher donde suspeitava que lhe vinha aquele tesouro. A mulher
combinou ir fazer uma romaria, e puseram-se a caminho. Quando chegaram a um
escampado acharam pegadas de cavalo, foram andando por elas e chegaram a um
sítio onde estava um cavalo deitado ainda com um saco cheio de peças. Voltaram
logo para casa muito contentes, e mudaram de vida, que até àquele tempo tinha
sido amargurada pelos poucos ganhos e muitos filhos.
A Riqueza e a Fortuna foram ao sítio onde o
homem costumava cortar lenha e esperaram por ele bastante tempo. Por fim a
Fortuna declarou-se vencedora, dizendo:
— Que te dizia eu? Não é com o muito dinheiro
que se é feliz.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Algarve)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2021)
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