domingo, 12 de dezembro de 2021

A resposta da caveira (Contos de Mistérios), Viriato Padilha

 

A RESPOSTA DA CAVEIRA 

Não temos certeza se a história ocorreu em Portugal ou no Brasil. Só sabemos que é velha e muito conhecida.

Taveira era um moço abastado, possuidor de rendosas casas comerciais, e muito acreditado na localidade onde residia.

Estava a se casar com uma formosa moça, herdeira de alguns mil cruzados, e todos o estimavam pelas excelentes qualidades.

Sendo amicíssimo de caça, num domingo se dirigiu a um bosque vizinho pra se entregar ao prazer predileto. Ali se lhe deparou uma caveira, ainda em perfeito estado, sobreposta a um velho tronco já carcomido por cupim.

Dominando um movimento de horror que lhe inspirou a vista de tão hedionda coisa, se acercou do crânio, o examinou bem, e, sem saber mesmo porque o fazia, perguntou à caveira:

— Caveira, quem te pôs neste estado?

Naturalmente o moço não esperava resposta, e por isso se encheu de assombro quando viu aqueles ossos humanos se torcerem com estalidos secos e responder de forma enigmática:

— Foi a língua!

Taveira quis fugir imediatamente, porém sobrepujando nele a curiosidade, se encheu de coragem e fez novas perguntas à caveira.

Desejava sondar a profundidade daquele mistério, que tanto o intrigava, porém nem mais uma resposta obteve.

A caveira voltou ao mutismo e dele não mais quis sair.

***

Logo que chegou à casa narrou à família e aos amigos o fato estranho que presenciara, e, embora fosse homem de todo o crédito, muitos duvidaram de sua palavra.

O rapaz se enfadou com isso e querendo demonstrar aos incrédulos que os não iludira, convidou diversos pra se transportar consigo ao lugar.

Lá chegados, Taveira tornou a perguntar ao crânio:

— Caveira, quem foi que te pôs neste estado?

Ao contrário, porém, do que esperava a caveira, não lhe deu resposta e isso o desconcertou, fazendo todos os circunstantes se convencerem que o pobre rapaz tinha sido vítima de alucinação.

Continuando, todavia, a asseverar, sempre com a mesma obstinação, que a caveira respondera. Esse fato extravagante foi, pouco a pouco, aluindo sua reputação, e todos afinal se capacitaram de que o infeliz moço sofria algum desarranjo nas faculdades mentais.

A moça com quem estava pra casar começou a se arrecear dele. Intervindo o futuro sogro, também cheio de apreensão pelo porvir da filha, se desfez o projetado enlace, com grande sentimento do noivo, que adorava a prometida.

***

A ruptura do casamento foi o exórdio de maiores desventuras pro rapaz que persistia em contar a singular história da caveira.

Seu crédito comercial começou a se abalar. Temendo a debilidade de sua razão, os outros negociantes principiaram a não querer realizar transação consigo. Seu negócio ia de mal a pior e após um ano teve que fechar os estabelecimentos. Seis meses depois, estava arruinado.

Taveira não pôde resistir a tão profundos golpes. Se encheu de tédio pela vida, que agora lhe era tão pesada, e uma noite se enforcou no quarto onde dormia.

Se um dia perguntassem ao alvadio crânio do jovem negociante:

— Caveira, quem te pôs neste estado?

Poderia igualmente responder:

— Foi a língua!

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Ano de publicação: 1925.
Origem: Brasil (Nordeste)

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