Era uma vez um príncipe que saiu a correr
mundo, em procura dum remédio para o rei, seu pai, que estava cego. De pois de
muito andar, passou por uma aldeia, onde viu vários homens dando uma sova num
defunto.
— Que é isso? — perguntou o príncipe.
— É que este homem nos devia dinheiro e
morreu sem pagar. O costume cá da aldeia manda meter a lenha no cadáver.
O príncipe revoltou-se contra a brutalidade,
e pagando a dívida do morto deu ordem para que o enterrassem.
Seguiu caminho. Adiante encontrou uma raposa
que lhe perguntou para onde ia. O príncipe contou que andava atrás dum remédio
para a cegueira do rei, seu pai.
— Pois sei dum remédio — disse a raposinha. —
Basta esfregar nos olhos do rei um pouco de "unguento de papagaio",
mas dum certo papagaio lá do reino dos Papagaios. Vá lá, meu príncipe, entre à
meia-noite no lugar onde estão esses pássaros e não olhe para os bonitos, os
que moram em gaiolas douradas. Pegue no mais velho de todos, o mais depenado e
sujo, que está a um canto, num poleiro imundo. Esse é o bom.
O príncipe foi. Quando entrou no reino dos
Papagaios, ficou de boca aberta de tantas aves lindas que viu, em gaiolas de
prata e ouro, e até cravejadas de diamantes. Esquecido da recomendação da
raposinha, pegou na gaiola do mais bonito e foi saindo. Mas o papagaio deu um'
berro. Os guardas acordaram e prenderam o príncipe.
— Que queres com este papagaio? — disseram. —
Vais morrer, gatuno!
O príncipe, com muito medo, explicou do que
se tratava. Os guardas então lhe disseram:
— Pois muito bem: damos-te o papagaio se
fores ao reino das Espadas e nos trouxeres uma — e soltaram-no.
O príncipe saiu muito triste porque não sabia
onde era o tal reino. A raposinha apareceu-lhe de novo.
— Então, meu príncipe, que tristeza é essa? —
e depois de saber do acontecido falou assim: — Eu bem recomendei que pegasse o
papagaio mais velho e feio. Agora o que tem a fazer é o seguinte: vá ao reino
das Espadas (e contou onde era) e entre lá à meia-noite. Encontrará espadas de
todos os jeitos, de ouro e prata, muitas cravejadas de pedras preciosas — mas
não pegue nenhuma dessas. Pegue uma velhinha e enferrujada, que está num canto.
Essa é a boa.
O príncipe foi, e lá no reino das Espadas
ficou de boca aberta diante das tantas maravilhas que viu. Mas não teve coragem
de pegar na espada mais velha e ferrugenta; escolheu, ao contrário, a mais rica
de todas. Quando ia saindo, fez barulho sem querer; os guardas acordaram e o
prenderam. Iam levá-lo ao rei de Espadas.
O príncipe, porém, contou sua triste história
de modo a comover os guardas, os quais disseram: "Bem. Perdoaremos o seu
crime, se for ao reino dos Cavalos e nos trouxer um."
O príncipe saiu em procura do reino dos
Cavalos. Logo adiante encontrou a raposinha. "Para onde vai tão triste o
senhor príncipe?" — perguntou ela.
O príncipe contou tudo.
— Bem feito — disse a raposinha. — Por que
não fez como eu disse? O remédio agora é um só — ir ao reino dos Cavalos (e
contou onde era) e lá entrar à meia-noite. Encontrará muitíssimos cavalos de
todas as cores e raças, cada qual mais lindo. Mas não pegue nenhum desses.
Escolha o mais velho e feio. Esse é o bom.
O príncipe foi, mas tão lindos animais viu no
reino dos Cavalos que não teve ânimo de pegar no mais velho e feio. Escolheu,
ao contrário, o mais lindo de todos. Ao sair, o cavalo rinchou, acordando os
guardas, que o prenderam.
Houve explicação e por fim os guardas
disseram:
— Pois bem, nós o perdoaremos se você furtar
a filha do rei.
O príncipe prometeu e saiu. Logo adiante
encontrou a raposinha que lhe disse:
— Príncipe, saiba que sou a alma daquele
defunto que levou a sova por causa das dívidas. Ando a protegê-lo por todos os
modos, mas nada tem adiantado. Você nunca faz o que eu digo. Vamos ver se agora
me atende. Arranje um cavalo e vá à meia-noite ao palácio do rei; entre; agarre
a moça, ponha-a na garupa e dispare no galope. Passe pelo reino dos Cavalos e
pegue o que eu disse. Depois passe pelo reino das Espadas e pegue a que eu
disse. Depois passe pelo reino dos Papagaios e pegue o que eu disse. E dispare
a toda para a casa de seu pai, porque o velho está morre não morre. Mas nunca
entre por veredas, nem dê atenção a coisa nenhuma antes de chegar em casa. E
adeus
O príncipe lá se foi. Chegando ao palácio do
rei, furtou a moça; chegando ao reino dos Cavalos, pegou o mais velho e feio;
chegando ao reino das Espadas, levou a mais velha; chegando ao reino dos
Papagaios, pegou o mais feio — e seguiu no galope na direção de sua casa.
Pelo caminho, porém, encontrou seus irmãos
que tinham saído à procura dele, mas que ao verem aqueles objetos ficaram com
inveja e resolveram matá-lo para roubar. Para isso convenceram-no de que devia
deixar a estrada e seguir por um atalho, porque indo pelo atalho estaria livre
de ser assaltado por ladrões.
O moço caiu na esparrela; tomou pelo atalho.
Logo adiante os maus irmãos assaltaram-no, roubaram-no e jogaram-no numa buraqueira,
certos de que estava morto. E voltaram para casa com os despojos. Aconteceu,
porém, uma porção de coisas. A moça não queria comer nem falar; o papagaio
enfiou a cabeça sob a asa e não disse uma só palavra; a espada ficou mais
enferrujada ainda e o cavalo pendeu a cabeça como se fosse morrer.
Quando o moço, lá na buraqueira, acordou do
longo desmaio, viu diante de si a raposa, a qual o tirou dali e o botou no
caminho. Ele seguiu para casa manquitolando. Assim que chegou, a espada perdeu
a ferrugem, ficando novinha em folha; o papagaio criou penas novas e foi
sentar-se em seu ombro; a moça deu uma gargalhada gostosa e falou pelos
cotovelos; o cavalo ergueu a cabeça e engordou num instante.
O príncipe, então, dirigiu-se ao quarto do
rei cego e esfregou-lhe nos olhos um pouco de "unguento de papagaio"
— e o rei imediatamente recobrou a vista e a saúde.
Foi uma grande alegria na corte. O bom
príncipe casou-se com a moça e os maus irmãos foram expulsos do reino. E
acabou-se a história.
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Ano de publicação: 1922.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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