O reino da Pérsia foi há séculos passados
governado pelo rei Nebul.
Esse rei, que vivia muito feliz governando o
povo com sabedoria, um dia ficou cego.
Mandou chamar todos os médicos do seu reino,
todos os curandeiros, todas as feiticeiras, para lhe darem algum remédio que o
curasse.
Nada puderam conseguir.
Já estava Nebul desanimado, e conformado com
a sua triste vida, quando um dia, apareceu uma velhinha, pedindo esmola.
Sabendo que o rei havia cegado, pediu para
lhe ensinar o remédio que o havia de curar.
O rei mandou entrar a velhinha, que lhe
disse:
— Saiba vossa real majestade que no mundo só
existe um remédio capaz de o fazer recobrar a vossa preciosa vista. Existe num
reino muitíssimo distante daqui, uma fonte chamada de rainha das Águas. Se
alguém conseguir um pouco dessa água, e colocá-la sobre os olhos, imediatamente
verá tão bem como um pássaro. Mas é muito difícil ir a esse reino. Quem for
buscar a água deve se entender com uma velhinha que mora perto da fonte. Essa
velhinha é quem há de informar se o dragão que vigia a entrada da fonte está
dormindo ou acordado, porque a fonte está situada atrás de umas montanhas muito
altas, e, se alguém for visto pelo terrível bicho, morrerá no mesmo instante.
O rei Nebul deu à velhinha grande quantia e
retirou-se para os seus aposentos.
Mandou preparar uma grande esquadra composta
de duzentos navios, e enviou seu filho mais velho, o príncipe Agar, para buscar
a água, dizendo que lhe dava o prazo de um ano para estar de volta,
aconselhando-o que não saltasse em país algum, para não se distrair; e que, se
naquele prazo não voltasse, considerá-lo-ia morto pelo dragão.
O moço partiu: e depois de viajar muito, foi
aportar a um país estranho e muito rico.
Saltou em terra, e começou a se divertir a
ponto de gastar todo o dinheiro que levava, e a contrair dívidas, pelo que
ficou preso.
Passado o ano, Nebul, não o vendo voltar,
ficou triste, julgando-o morto.
Mandou preparar nova esquadra de quinhentos
navios, porque supunha que seu filho morrera na guerra que travara no reino das
Águas, em busca do remédio para a sua cegueira.
Enviou seu filho segundo, o príncipe André.
Fez-lhe a mesma recomendação:
— Se no prazo de um ano, meu filho, não
estiveres de volta, terei que chorar a tua morte.
Partiu André e, depois de muito viajar,
aportou ao mesmo país que seu irmão Agar.
Aí, fascinado pelas festas, gastou tudo
quanto levara, contraiu grandes dívidas, e, como seu irmão, ficou preso.
Passado um ano, vendo o rei que o seu outro
filho não voltava, ficou desanimado, e sem esperanças de recuperar a vista,
pois supunha que André houvesse tido o mesmo fim que o primeiro.
Então, o mais moço, o jovem Oscar, que ainda
era menino, foi se oferecer para ir buscar o remédio.
— Agora, quero ir eu, meu pai; e se for,
garanto que lhe trarei a água.
O rei começou a brincar.
— Como queres tu ir, meu filho? Não vês a
sorte de teus irmãos mais velhos? Que é feito deles? Morreram. Como posso eu
deixar que faças semelhante viagem? Seria até um contrassenso.
O menino tanto insistiu, tanto pediu, tanto
rogou, que, afinal, o rei, para o contentar, lhe concedeu a licença pedida.
Mandou preparar uma esquadra de cem navios,
menor que a dos outros dois príncipes, e disse a Oscar que partisse quando
quisesse.
O menino, antes de partir, foi assistir à
missa no palácio, e pediu com todo o fervor a Nossa Senhora que o protegesse na
empresa a que ia se arriscar.
Partiu no dia seguinte, e, depois de muito
navegar, foi aportar no mesmo país onde estavam seus irmãos presos por causa
das dívidas.
Pagou-as e soltou-os.
Os dois irmãos aconselharam-lhe que não
continuasse a viagem o que era tempo perdido, pois aquele país era muito
divertido, e que se deixasse ficar por ali.
O menino nada quis ouvir, e, embarcando de
novo, partiu em direção ao reino das Águas.
Chegando aí, desembarcou sozinho, e foi
procurar a velhinha, que morava perto da fonte, a qual, quando o viu, ficou
admirada e disse:
— Ó meu netinho, que veio cá fazer? Olhe que
você corre grande perigo. O dragão, guarda da fonte, que fica por trás daquelas
montanhas, é uma princesa encantada, que tudo devora. Procure uma ocasião em que
esteja dormindo, para entrar, e repare bem que, quando estiver com os olhos
abertos, é que está dormindo; mas, se estiver com os olhos fechados,
acautele-se, senão morre.
O menino tomou as suas precauções, de modo
que, ao chegar à fonte encontrou a fera com os olhos abertos.
Aproximou-se da fonte, e encheu a garrafa que
levava.
Já ia se retirando, quando o dragão acordou,
e avançou sobre ele.
— Que atrevimento é esse, menino mortal, que
faz com que tenhas a audácia de vir aos meus reinos?
O moço só teve tempo de desembainhar a
espada.
Em um dos botes a fera foi ferida, e, com o
sangue que gotejava, se desencantou numa formosa princesa.
um ano, jovem príncipe, para me vires buscar.
Leva a água a teu pai, e volta. Se dentro deste prazo não estiveres aqui, irei
buscar-te, onde estiveres.
Com o sinal de ser reconhecido, deu-lhe a
princesa um anel com um brilhante enorme.
O príncipe Oscar voltou ao país, passando
pelo reino onde estavam seus irmãos, levou-os para bordo, com o fim de os
conduzir ao palácio do rei Nebul, seu pai.
Quando os dois irmãos mais velhos souberam
que o principezinho tinha se saído bem da empresa, ficaram invejosos e
planejaram roubar a garrafa que continha a preciosa água.
Essa garrafa estava na mala do príncipe
Oscar, que não a deixava um minuto sequer, guardando consigo a chave, quando se
ia deitar.
Propuseram ao irmãozinho dar um grande
banquete a bordo do navio, convidando para isso toda a oficialidade, banquete
esse em regozijo por se ter encontrado a água que havia de dar a vista ao velho
rei Nebul.
O príncipe Oscar consentiu, e os irmãos, cujo
fim era embebedá-lo, durante as saúdes que se fizessem, ficaram contentes com a
aquiescência do principezinho.
Fizeram a coisa tão benfeita que o jovem
Oscar se excedeu nas saúdes, a ponto de ficar embriagado.
Os dois irmãos, assim que o viram naquele
estado, correram à mala, e trocaram a garrafa da fonte por uma de água do mar.
Oscar, assim que ficou bom, tratou de ver a
sua mala, e, como a achou intacta, não desconfiou da troca.
Quando a esquadra se apresentou no porto da
cidade onde vivia o rei Nebul, houve satisfação geral, sendo o principezinho
recebido entre gerais aplausos.
Assim que deitou a água nos olhos de seu pai,
este ficou desesperado de dor. Então, os dois irmãos, chamando o mais moço de
impostor, trouxeram a garrafa que haviam roubado, e puseram a água nos olhos do
rei, que recuperou imediatamente a vista.
Começaram as festas em regozijo ao grande
acontecimento de haver Nebul recobrado a vista.
Agar e André recebiam aplausos de todo o
mundo, que admirava a sua intrepidez, arriscando a vida em uma viagem tão
perigosa.
O rei Nebul não quis que o príncipe Oscar
assistisse às festas. Mandou matá-lo, dizendo que um impostor como ele, merecia
ser queimado vivo.
No dia em que devia começar a festa em
homenagem a tão valentes príncipes, seguiu de manhã cedo, para uma floresta
muito longe do castelo, o príncipe Oscar, acompanhado de um batalhão enorme que
devia matá-lo.
Os soldados, assim que chegaram no meio da
floresta, tiveram pena do principezinho, e, em vez de matá-lo, cortaram-lhe um
dedo, que foram levar ao rei Nebul, como prova de sua morte.
Oscar, assim que se viu livre da morte,
começou a procurar a vida, porque naquele lugar, tão deserto, morreria de fome
ou nas garras de algum animal feroz, dos que ali havia em quantidade.
Depois de andar muito, foi ter à casa de um
lavrador, a quem ofereceu os seus serviços.
O lavrador, vendo aquele menino, só, naquele
lugar deserto, tomou-o para escravo, e o maltratava todos os dias.
Já havia passado um ano, e era esse o tempo
marcado pela rainha das Águas para o príncipe Oscar ir buscá-la, e efetuarem o
casamento.
Não aparecendo, resolveu ir buscá-lo.
Mandou preparar uma esquadra de cem navios, e
partiu em direção ao reino do rei Nebul.
Aí chegando, mandou um de seus generais
avisar ao rei que lhe mandasse o príncipe que, um ano antes, havia ido ao seu
reino buscar água de uma fonte que lhe havia de restituir a vista, e que tendo
o príncipe lhe prometido casamento, e não voltando, ia à sua procura.
Mandava dizer ainda que se o príncipe não
viesse, arrasaria a cidade em meia hora, com os poderosos canhões de sua
esquadra.
Nebul, à vista da intimação, ficou aflito, e
mandou que o príncipe Agar fosse a bordo se apresentar à princesa.
Chegando a bordo, lhe disse ela:
— Homem atrevido, como tens coragem de
aparecer aqui? Onde está o sinal que te dei para o nosso reconhecimento?
O príncipe, que não tinha ciência de sinal
algum, voltou para terra, envergonhado de ter feito figura tão triste diante de
uma formosa dama.
A princesa enviou nova intimação ao rei
Nebul, e este, cada vez mais aflito, fez ir seu filho André à presença da
princesa.
O segundo filho foi tão infeliz como seu
irmão. Não tendo o reconhecimento da princesa, voltou envergonhado pelo fiasco
que havia feito.
A princesa mandou nova intimação à terra,
dizendo que, se em vinte e quatro horas o príncipe que lhe prometera casamento
não lhe aparecesse, mandaria arrasar a cidade, e depois incendiá-la.
O rei ficou aflitíssimo, pois não tendo mais
nenhum outro filho, esperava com ânsia o prazo marcado para o extermínio de seu
povo.
Já estava arrependido de ter mandado matar
Oscar, quando um dos soldados do batalhão que acompanhou o menino à floresta
disse que eles não tinham tido coragem de matar o jovem moço, e só lhe haviam
cortado o dedo.
Quando o rei soube disso, teve um raio de
esperança. Mandou emissários por todo o seu grande reino, à procura do jovem
príncipe Oscar, dando a todo mundo os sinais do moço, e prometendo uma grande
fortuna a quem o trouxesse ao seu palácio.
Pediu à princesa que lhe desse cinco dias de
espera, dizendo que seu filho Oscar, que lhe tinha prometido casamento, estava
em viagem, mas que já o havia mandado chamar com urgência.
A princesa concedeu o prazo pedido, dizendo
que mais um segundo não concedia, e que se, contados os cinco dias, o príncipe
não chegasse, não responderia pela vida de ninguém daquela cidade.
Havendo tanta gente a procurar o príncipe
Oscar, muito fácil foi encontrá-lo como escravo do lavrador, onde trabalhava
todo o dia, fazendo serões até alta noite.
Quando o lavrador soube que o seu escravo era
um príncipe, ficou mais morto do que vivo.
Carregou o mocinho nas costas, e foi chorando
levá-lo ao palácio do rei Nebul.
***
Estava terminado o prazo, e a princesa já
tinha mandado preparar os canhões para bombardear a cidade, quando o príncipe
lhe fez sinal que esperasse, porque ia ter com ela.
Assim que o jovem chegou a bordo do navio
onde estava a Rainha das Águas, colocou no dedo o anel de ouro.
Esta, reconhecendo o príncipe, mandou o
general avisar ao rei Nebul que era aquele o seu noivo, e que podia ficar
descansado porque não mais bombardearia a cidade, e que partiria no dia
seguinte, com o noivo para seu reino.
O rei convidou, então, a rainha das Águas
para vir visitá-lo, porque queria conhecer sua nora.
Estavam todos no palácio, quando apareceu uma
velhinha pedindo uma esmola.
Oscar, vendo que era a mesma que lhe tinha
ensinado o remédio para seu pai recuperar a vista, voltou-se para a noiva, e
disse:
— É esta a velhinha, formosa princesa, a quem
devo a felicidade de me casar e de ver meu pai com a vista que tinha perdido.
A rainha das Águas voltou para o seu reino e
casou-se com Oscar, que ficou sendo o rei que governava o país mais rico e mais
formoso do mundo.
---
Ano de publicação: 1896.
Origem: Brasil (Reconto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
Nenhum comentário:
Postar um comentário