terça-feira, 28 de dezembro de 2021

A peste dos animais (Fábula), de Justiniano José da Rocha

 

A PESTE DOS ANIMAIS 

Um mal horrível, que a ira celeste inventou para punir os crimes da terra, a peste, fazia mil estragos entre animais. Nem todos morriam, mas todos, languidos, entorpecidos, quer de pavor, quer já por efeito da moléstia, arrastavam-se moribundos. Em tanta calamidade só valem grandes remédios. O leão convocou assembléia geral dos seus súditos, e assim falou: “Prestantes e amados vassalos, vós que o flagelo de Deus açoita, ouvi-me, e dai-me o auxílio de vossas luzes; nunca tão necessário nos foi, a nós todos, um bom conselho. Não é natural essa epidemia que nos vai devastando; cada dia morremos aos milhares; é por certo o castigo que algum crime de nossa raça está merecendo; cumpre pois aplacar a ira celeste. Lembrei-me a princípio de decretar um jejum de alguns dias; porém jejuando andamos todos pelo abatimento que a moléstia causa. Então ocorreu-me a ideia de fazermos aqui todos uma confissão geral, para descobrir-me qual o miserável cujo pecado nos trouxe semelhante desastre.” O parecer do rei foi por todos aprovado. O leão prosseguiu: “Não quero, nem para mim, injusto favor; se for o criminoso, com muita satisfação morrerei pelo meu povo; confesso pois que às vezes, em horas de fome, não respeitei bastante a vida do veado, da vitela, da ovelha, e nem mesmo a do pastor. Se julgais que são esses os crimes que o céu está punindo, dizei-o francamente, gostoso me imolarei ao bem de todos.” O javali, o tigre e outros muitos que tais, em coro aplaudiram: “Vossa Majestade está zombando! crimes, isso que praticou! nem são pecadinhos veniais. Comeu às vezes veados, ovelhas, pastores! Ora nisso muita honra lhes fazia!”

Continuou à confissão geral, nas ações dos mais ferozes brutos nada achou a assembléia que dizer; não houve crueza que todos à porfia não justificassem. Chega a vez do burro: “Senhores, disse ele, por mais que procure despertar minha consciência, a ver se me lembra algum crime que praticasse, nenhum me ocorre; somente um dia estando com muita fome, passei por um prado, propriedade de um convento. A erva estava tenra, orvalhada, apetitosa; ninguém me via; tudo me incitava; passando pois, não pude resistir à tentação, e apanhei na boca uma pouca de erva que mais, a jeito achei...” — Malvado! bradaram juntos todos os tigres e javalis da assembléia; roubar a erva de um campo pertencente a convento! Sacrilégio! E por causa desse miserável todos estamos pagando! Súbito o pobre burro é imolado à divina justiça.

MORAL DA HISTÓRIA: Para o poderoso, qualquer que seja seu crime, nunca falta indulgência; o pobre ou fraco, nem que viva como santo, pode livrar-se; lá tem seu descuido, e esse não tem desculpa. 

 

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Ano de publicação: 1852.
Origem: Brasil  (imitadas de Esopo e La Fontaine)

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